Festivais em Belo Horizonte valorizam gastronomia de botecos e atraem clientes



A depender da expectativa dos proprietários de botecos de Belo Horizonte, neste sábado (14) e domingo (15) a capital mineira não dará o mínimo sinal de sofrer os impactos da crise econômica que afeta o Brasil. É que serão os últimos dias para que frequentadores de botecos possam experimentar os petiscos concorrentes em dois festivais que mobilizam quase uma centena de estabelecimentos. Com 45 inscritos, o Comida di Buteco vai até amanhã e o festival Botecar, com 50 competidores, encerra hoje.

O concurso segue um modelo semelhante em ambos os eventos. Os clientes dão notas para o atendimento, a temperatura da cerveja, a higiene do local e o petisco concorrente, ou tira-gosto, termo popularmente utilizado em Belo Horizonte. A diversão de avaliar as iguarias criadas leva diversos apreciadores a uma peregrinação pelos botecos da capital mineira. Os bares são também visitados por jurados, que não se identificam. Ao final, para não privilegiar o estabelecimento que tem mais mesas e assim recebe um público mais numeroso, é feita uma média dos votos. O peso da avaliação dos clientes e dos jurados é igual, 50% para cada.

Os organizadores de ambos os eventos fizeram um balanço parcial positivo da edição deste ano. Maria Eulália Araújo, gestora do Comida di Buteco, afirma que durante o festival os estabelecimentos não perceberam o impacto da crise econômica, e levanta uma hipótese. “Ainda precisamos ver os nossos indicadores, mas há indícios de que foi melhor que o do ano passado. Essa semana eu ouvi de três donos de botecos que houve aumento da demanda. De repente, aquela pessoa que ia mais em restaurantes sofisticados, passou a ir mais em botecos, inclusive para gastar menos”.

Quem também celebra o sucesso é Antônio Lúcio Martins, organizador do Botecar. Segundo ele, os prognósticos pessimistas não se confirmaram e o público surpreendeu. Houve inclusive mudanças nas datas a pedido dos estabelecimentos concorrentes. Previsto para encerrar no dia 7 de maio, o evento ganhou mais uma semana “Só teremos um balanço definitivo ao fim do evento, mas é possível ter uma prévia a partir das cédulas de votação que entregamos nos bares. Tivemos que produzir mais cédulas do que esperávamos”, disse.

O cenário favorável é atestado por José Márcio Ferreira, proprietário do boteco Barbazul. Participante das três edições do Botecar, ele garante que este foi o melhor ano. Mas, mesmo com a clientela recorde, segundo ele o faturamento se reduziu porque as despesas aumentaram. “Conta de luz, conta de água, impostos, a carne, tudo subiu de preço, e se repassar a alta para o produto, o cliente deixa de vir. Então, no meu caso, a crise atrapalhou o lucro, mas não afastou os clientes. Pelo contrário, o bar está sempre cheio”, disse.

Há, no entanto, quem notou uma queda em relação ao movimento dos anos anteriores. É o caso de Felipe Silva Borém, dono do 222, estabelecimento participante do Comida di Buteco há 8 anos. Ele calcula uma redução no número de clientes entre 10% e 15% se comparado à edição de 2015. Luíz Vinícius Andrade Chagas, gerente do Blá Blá Bar, concorda. Pelo segundo ano consecutivo no Comida di Buteco, ele avalia que o público esteve aquém da expectativa. “Percebo uma diferença, principalmente às segundas e terças. Na edição do ano passado, tínhamos uma fila de espera por mesas e agora esses dias ficam mais vazios”. Mesmo com a comparação, Luíz Vinícius Chagas disse que o festival propicia um aumento em relação ao movimento normal do estabelecimento e que, nos fins de semana, o bar fica lotado.

Valorização

O Comida di Buteco surgiu em 2000, com o propósito de resgatar e valorizar a cozinha de raiz e os botecos tradicionais, cujos donos e familiares estão presentes no estabelecimento e participam de sua gestão. Empreendimentos que atuam em rede ou em franquia não podem participar. O evento que surgiu em Belo Horizonte e começou a se expandir em 2008, alcançando Goiânia, Salvador e Rio de Janeiro. Nesta edição, presente em 20 cidades e em todas as regiões do Brasil, o festival se lançou a um desafio ousado: escolher o melhor boteco do país.

“Era um objetivo antigo. Mas a legitimidade para escolher o melhor do Brasil só viria se estivéssemos em todas as regiões, o que finalmente conseguimos esse ano. Então após escolhermos o campeão de cada cidade, eles receberão a visita de três jurados para uma nova avaliação”, explica Maria Eulália Araújo.

A gestora do evento vê essa nova etapa como uma vitória do modelo construído. “O festival nasceu da preocupação com os botecos tradicionais, que estavam perdendo espaço e ficando sem fôlego para se manter no mercado. E hoje nós vemos que o resultado do concurso acaba levando a uma transformação econômica muito efetiva e muito importante. Com o tempo, nós passamos a entender como a nossa missão é transformar vidas através da cozinha de raiz. Então vai muito além de um evento. É uma plataforma de transformação econômica do pequeno negócio”, analisa.

Apesar do crescimento do Comida di Buteco, o rigor com os critérios de origem se mantém. Se um boteco vitorioso começa a se expandir, ao abrir o terceiro estabelecimento ele automaticamente deixa o concurso para dar espaço a outro pequeno empreendedor. Na avaliação de Maria Eulália, ao longo de seus 16 anos, o festival contribuiu para mudar o olhar da população em relação ao boteco de raiz e ampliar o número de frequentadores.

“Hoje, por exemplo, mais mulheres frequentam esse local. Revistas como a Veja, o Guia 4 Rodase outras publicações, passaram a avaliar bares. Há cursos de gastronomia que focam em tira-gosto. O boteco ganhou um glamour. Há bares sofisticados que se autointitulam boteco, o que há 15 anos não ocorria. Boteco era inclusive uma palavra pejorativa. Recebia, as vezes, o apelido carinhoso, mas pejorativo, de copo sujo ou pé sujo. O brasileiro passou a valorizar sua gastronomia de outra maneira e a olhar botecos pequenos, acreditando que dali pode sair uma comida incrível”, disse.

Essa ampliação do perfil dos frequentadores do bar é também o principal benefício dos festivais, apontado por proprietários de estabelecimentos participantes. “Nossa clientela geralmente é da vizinhança, principalmente porque hoje a Lei Seca deixa muito as pessoas nos seus bairros. Mas o festival te dá visibilidade na cidade inteira. Então, vêm muitos clientes novos para experimentar o tira-gosto”, conta Felipe Silva Borém, do 222. Na mesma linha, o gerente do Bla Bla Bar, Luíz Vinícius Chagas, explica que seu bar é mais focado em um público jovem, embora no período do festival receba com frequência pessoas mais velhas e também de maior poder aquisitivo que a média dos clientes.

Expansão

A referência conquistada pelo do Comida di Buteco fez sua fórmula ganhar o país. Além da expansão do próprio evento, que hoje está em 20 cidades, começaram a surgir também iniciativas semelhantes inclusive em municípios pequenos do interior. A era da concorrência também chegou. Com o Botecar, surgido em 2014, os eventos disputam clientes há três anos. No entanto, parece haver público para todos. A relações públicas Cristiane de Assis Melo, 34 anos, não tem preferência e, curiosa com as opções, frequenta botecos de ambos os festivais. “Apesar do Comida di Buteco ter mais tradição, acho o Botecar bem interessante. São parecidos e considero que ambos se equiparam em qualidade”, avalia.

No entanto, os organizadores estão sempre buscando pequenas inovações para manter um diferencial. Se a aposta desta edição do Comida di Buteco é a eleição nacional, o Botecar criou o Chefia Camarada. Pela internet, os clientes podem votar no garçom que realizou o melhor atendimento.

Para os bares participantes, há mais diferenças. José Márcio Ferreira, proprietário do Barbazul, esteve em diversas edições do Comida di Buteco e se diz muito agradecido pelo evento e pela visibilidade que lhe foi dada. No entanto, quando surgiu o Botecar, ele optou por aderir ao novo festival.

“Era o momento de buscar uma alternativa, porque o Comida di Buteco começou a fazer muitas exigências para agradar os patrocinadores. Chegou a um ponto que tínhamos a obrigação de colocar tanta coisa na mesa que não cabia nem os pratos mais. E aí o trabalho também aumenta, afeta o psicológico dos trabalhadores”, disse.

O Comida di Buteco mantém uma parceria com a cervejaria Ambev, de forma que os participantes não podem vender cervejas de outras empresas. Nesta edição, a Brahma Extra é a cerveja oficial do evento. Além disso, o evento também exige que os botecos preparem uma entrada utilizando salgadinhos da marca Doritos, que também é um dos patrocinadores. Outra presença obrigatória no estabelecimento é a pimenta Tabasco.

Segundo José Márcio, o Botecar dá mais liberdade para decidir preços e preserva mais a identidade do bar, já que também não faz outras alterações no cardápio. “Não sou contra o patrocinador. Pelo contrário, quem está organizando o evento também precisa ter seu lucro. Mas precisa definir alguns limites”, alerta.

Temas

Outra vantagem considerada pelo proprietário do Barbazul está no fato do Botecar utilizar temáticas mais abertas. No ano passado, o tira-gosto deveria ser criado inspirado em cidades do interior. Já esse ano, o tema é mineiridade. “Não ficamos limitados a um ingrediente”, destaca José Márcio.

No entanto, o Comida di Buteco, nos últimos anos, também abandonou a ideia de apontar um ingrediente obrigatório a cada edição. Se em edições passadas, os tira-gostos já tiveram que ser compostos com torresmo, mandioca ou jiló, no ano passado o tema frutas ampliou o leque de possibilidades. Os pratos levaram banana, damasco, maçã, geleia de goiaba, entre outros. A fruta poderia vir no prato até mesmo com uma função mais decorativa, desde que também pudesse ser comida.

Já este ano, o tema do Comida de Buteco é totalmente livre. “Nós não temos um padrão. Avaliamos ano a ano. Acho que o tema vem para estimular a criatividade, e dá resultados geniais. Mas como este ano nosso foco é eleger o boteco nacional, não queríamos impor limitações. Até mesmo para privilegiar as influências de cada região”, explica Maria Eulália.

Premiação

Se durante o período de realização dos festivais, os apreciadores precisam ficar indo de bar em bar, na premiação fica tudo mais fácil. Todos os concorrentes reunidos em um só lugar. E melhor ainda, como ocorrem em fins de semana diferentes, é possível ir aos dois eventos.

Marcado para o dia 21 de maio, a Saideira do Comida di Buteco acontecerá na esplanada do Mineirão. O espaço comporta 5 mil pessoas, que terão acesso aos estadandes de todos os 45 botecos concorrentes. Os ingressos podem ser adquiridos no site do concurso.

É na Saideira que o Instituto Vox Populi, parceiro do evento, apresenta os resultados apurados. Neste ano, a organização optou por mudar o estilo da festa de premiação, que vinha se notabilizando por grandes shows. Em 2015, houve apresentação do Jota Quest e, em 2014, de Zeca Pagodinho. “O evento vinha crescendo muito e os shows musicais ganhando mais destaque que o concurso, deixando os botecos em segundo plano. Esse ano, vamos apostar em bandas mais regionais e até em blocos de carnaval da cidade”, anuncia Maria Eulália.

Os interessados em ver também reunidos os 50 bares do Botecar, terão a oportunidade uma semana depois. No dia 28 de maio, ocorre a Resenha do Botecar, quando também se anunciam os vencedores. O evento acontece no Parque das Mangabeiras e contará com bandas locais e convidadas de outros

 

 

Total
0
Shares
Deixe um comentário
Próximo Artigo

Temer e ministros passam fim de semana em reuniões

Artigo Anterior

Mães de Manguinhos fazem ato para lembrar filhos mortos pela violência policial

Relacionados