O médico e ex-vereador da capital fluminense Jairo Souza Santos Junior, conhecido como Dr. Jairinho, foi interrogado hoje (13) na 2ª Vara Criminal do Rio de Janeiro e se defendeu das acusações pela morte do menino Henry Borel, de 4 anos de idade. Ele se declarou inocente e apresentou sua versão para os fatos, questionando os procedimentos médicos adotados no Hospital Barra D'Or.
“Juro por Deus que nunca encostei em uma criança”, afirmou. Jairinho vivia um relacionamento com Monique Medeiros, mãe de Henry Borel, quando o menino morreu. O caso ocorreu no dia 8 de março do ano passado no apartamento onde os três moravam, na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro.
O laudo de necrópsia do Instituto Médico-Legal (IML) indicou que a criança tinha ferimentos pelo corpo e que a causa da morte foi “hemorragia interna e laceração hepática”. Foram listadas lesões hemorrágicas na cabeça, lesões no nariz, hematomas no punho e abdômen, contusões no rim e nos pulmões, além de hemorragia interna e rompimento do fígado.
Em maio do ano passado, Jairinho e Monique Medeiros foram denunciados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) pela morte da criança. Os dois se tornaram réus e são julgados no Tribunal de Júri por homicídio triplamente qualificado, tortura, fraude processual e coação no curso do processo. Monique é acusada ainda por falsidade ideológica.
Denúncia
Na denúncia, o MPRJ endossou conclusões do inquérito conduzido pela Polícia Civil. “Os intensos sofrimentos físicos e mentais a que era submetida a vítima como forma de castigo pessoal e medida de caráter preventivo consistiam em agressões físicas perpetradas pelo denunciado Jairo Souza Santos Junior”, diz o documento.
Monique é apontada como coautora do crime por omissão, pois tinha o dever de proteção e vigilância. “Sendo conhecedora das agressões que o menor de idade sofria do padrasto e estando ainda presente no local e dia dos fatos, nada fez para evitá-las ou afastá-lo do nefasto convívio com o denunciado Jairo”, registra a denúncia.
Em sua versão, Jairinho afirma que, na noite dos fatos, Henry despertou duas ou três vezes enquanto ele e Monique assistiam televisão. Embora o menino costumasse acordar, seria mais do que o habitual. O ex-vereador disse ter tomado remédios para dormir, os quais usa há mais de 15 anos, e adormeceu quando Monique foi fazer companhia ao filho. Mais tarde, foi acordado pela mãe da criança, quando Henry estaria respirando mal e com as mãos geladas. Nesse momento, ambos o levaram ao Hospital Barra D'Or.
“Fui acusado, como médico, de não prestar socorro. Mas quando você vê uma criança passando mal e você tem um hospital a 5 minutos da sua porta, acho que é muito mais viável levá-la pra lá do que socorrê-la dentro de casa”, disse Jairinho, assinalando que também não exercia a medicina há bastante tempo. Ele disse ainda que, na noite anterior, Monique obteve de Leniel Borel, pai de Henry, a informação de que o menino havia vomitado. “Não estou fazendo pré-julgamento. Mas se meu filho vomita, eu levo pro hospital. Ou ligo pro pediatra que seja rotineiro. Porque vômito é sempre sintoma de alguma coisa”, disse.
Segundo Jairinho, nem os profissionais do hospital e nem familiares que acompanharam o atendimento notaram sinais de violência na criança. Ele sustenta que se houvesse qualquer lesão aparente, seria relatado. “Não é possível entrar em um hospital do porte do Barra D'Or com uma criança machucada sem que nenhuma atitude seja tomada. Ninguém falou em morte violenta. Isso veio depois. Até o dia do velório, foi tratado como morte acidental”.
Na versão apresentada pelo ex-vereador, houve abordagem médica inadequada e Henry foi submetido há duas horas de massagem cardíaca, quando a conduta mais indicada seria cirúrgica. Ele sugeriu que a equipe do plantão noturno de domingo para segunda-feira não estivesse preparada para um caso grave. “Toda massagem cardiorrespiratória pode causar lesão. Isso faz parte da literatura médica”, argumentou.
Jairinho pediu para ter acesso às câmeras internas do Hospital Barra D'Or e a um raio-x que foi citado no prontuário. Segundo ele, esses materiais provariam sua inocência. Ele se defendeu ainda da suspeita de ter tentado usar de sua influência para conseguir uma liberação rápida do corpo, mediante um contato com Pablo dos Santos Menezes, executivo do Instituto D'Or.
“Como político, estamos a todo momento pegando o telefone para tentar resolver as coisas da melhor maneira e da forma mais célere. E naquele momento estava a avó do Henry, dona Rosângela, dizendo 'pelo amor de Deus, me tira dessa cena e vamos acabar com isso'. E eu ligo pro Pablo para tentar agilizar o óbito. E isso foi visto como algo criminoso. O próprio Pablo disse que não se sentiu coagido”.
Confusão
Horas antes de começar o interrogatório, o ex-vereador destituiu seis advogados. Sua defesa continuou sendo comandada por Cláudio Dalledone e Flávia Fróes, que não integram o mesmo escritório dos destituídos. Iniciada a audiência, houve um impasse entre os defensores de Jairinho e a juíza Elizabeth Machado Louro. Os cinco advogados queriam se ficar de pé em frente à magistrada, que alegou se sentir afrontada e insistia para que eles se sentassem. O imbróglio durou mais de 20 minutos. Estranhamentos já haviam ocorrido em audiência anterior, quando houve bate-boca entre os advogados e a juíza.
No interrogatório, Jairinho se negou a responder perguntas do MPRJ e dos advogados que representam Leniel Borel, que foi aceito no processo como assistente de acusação. Assim, apenas sua própria defesa apresentou questionamentos.
Antes de narrar os fatos do dia da morte da criança, o ex-vereador elogiou Monique como mulher e mãe, se disse religioso e afirmou que cresceu em uma família amorosa. Disse ainda que sempre gostou de crianças e que muitos amigos de seus três filhos sempre frequentavam e dormiam em sua casa. Ainda segundo Jairinho, foi ele quem escolheu para o Henry o melhor quarto do apartamento onde moravam e também que insistiu para matriculá-lo numa boa escola. Ele também relatou momentos em que o menino manifestou carinho por ele. “Quem seria capaz de fazer mal a uma criança? Esse não é o meu perfil. Essa roupa não me cabe”, disse.
A defesa de Monique tem sustentado que o relacionamento entre ambos não era saudável e que ela foi vítima de agressões. Na versão de Jairinho, eles se davam bem. “Teve ciúmes um do outro? Claro que sim. Ciúmes mútuos. Mas posso afirmar que 99% do tempo era maravilhoso”.
Processo
Jairinho e Monique estão presos desde abril do ano passado. Mas em abril deste ano, a mãe do menino obteve autorização para ficar em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica.
O interrogatório de Dr. Jairinho havia sido anteriormente agendado para o dia 1º de junho. No entanto, foi adiado com base em um habeas corpus obtido pelos seus advogados. Foi garantido a ele o direito de ser ouvido ao menos 5 dias após o perito assistente Sami El Jundi, contratado pela defesa.
Sami El Jundi foi ouvido no dia 1º de junho. Ele defendeu a hipótese de erro médico no Hospital Barra D'Or. Também considerou ainda que a autópsia foi falha e de má qualidade. Na ocasião, também foi ouvido o perito legista do IML Leonardo Huber Tauil. Ele sustentou que a principal hipótese para a morte de Henry são agressões sofridas pelo menino e descartou que isso possa ter ocorrido por manobras de ressuscitação.
Mesmo após o depoimento dos peritos, a defesa tentou suspender o interrogatório de Jairinho, pedindo que antes fossem marcadas audiências para que algumas testemunhas fossem novamente ouvidas. A solicitação foi negada na semana passada pelo desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto, da 7ª Câmara Criminal.
Encerrado o interrogatório de Jairinho, será aberto prazo de cinco dias para considerações do MPRJ. Em seguida, o mesmo período será concedido para os advogados assistentes da acusação e para as defesas de Monique e Jairinho. As partes poderão apresentar ainda as alegações finais e então a juíza Elizabeth Machado Louro vai decidir se os réus vão ou não a júri popular.
A Agência Brasil solicitou um posicionamento ao Hospital Barra D'Or, mas ainda não obteve retorno.