A Copa do Mundo e sua pauta além das quatro linhas

Copa do Mundo


Marcelo Henrique

 

Iniciada mais uma Copa do Mundo, em substituição à edição de 2020 cancelada em virtude da pandemia do coronavírus, e os holofotes de todo planeta se voltam para o Catar, pequeno país asiático, árabe, com um repositório cultural bastante distante da realidade ocidental que estamos acostumados a conhecer. Diferentemente do que se observava nas primeiras edições do campeonato mundial, em que a bola era o centro das atenções, as pessoas tem aprendido a aproveitar a concentração de atenção internacional para difundir produtos, lançar novidades e, mais do que nunca, questionar ideias, hábitos e práticas.

O Catar é um país regido por preceitos religiosos bastante rígidos, insuperáveis, muitas vezes, até mesmo pela diplomacia que lhes obriga, na qualidade de anfitrião, a relativizar determinados pontos. Bebidas alcoólicas, por exemplo, não fazem parte da festa lá pelo Oriente Médio, enquanto no Ocidente, não há festa sem elas. Contrastes complexos que precisam de resolução ágil e pacificadora por parte a FIFA e das autoridades locais, afinal, estamos falando de um evento global, em que pessoas de todo o mundo se programam para dele participar com anos de antecedência. E ruídos dessa natureza podem ser desagradáveis para ambas as partes.

Cuidado especial precisam ter as mulheres, as quais são alvo de um tratamento bastante diferente pelos lados de lá. Como se não bastassem os investimentos com passagem, hospedagens e outros inerentes a uma viagem normal, as turistas que desembarcam no Catar precisam adquirir um mini guarda-roupa para fazer frente às exigências de pudor locais, ainda presas a conceitos ligados à vestimenta, em um apego, muitas vezes, parnasiano por uma castidade mais idealizada do que propriamente real.

E é exatamente esse borderline que me faz refletir sobre até que ponto os valores culturais podem sobrepor-se aos Direitos Humanos. Ouvi algo do tipo há dias e essa afirmativa tem permeado as minhas mais profundas reflexões. Alguém dizia: cultura é música, dança, poesia, arte, mas subjulgar mulheres e deixá-las em patamar de inferioridade, com listas extensas de deveres e três ou quatro direitos não é cultura, é desrespeito. E nessa linha começam a surgir indagações de até quando se é legítimo evocar a cultura para manter as mulheres em posição de inferioridade? Até que ponto é possível legalizar a homofobia, usando como lastro a cultura? Calar jornalistas e opositores do regime local; seria uma forma consuetudinária de respeito ao poder constituído ou uma elíptica forma de manipular os nacionais, restringindo-lhes o acesso às informações?

Direitos Humanos são os primeiros a surgir. Nascem antes mesmo de seu detentor, haja vista a proteção do nascituro ainda no ventre materno. É “o direito a ter direitos”, como sempre ensinou a saudosa Hanna Arendt. Então, vamos sim curtir a Copa do Catar e torcer muito pelo nosso Hexa, é claro. Mas, vamos aproveitar a oportunidade para refletir sobre esses pontos. Não seria edificante se ficássemos apenas ligados na bola e nas quatro linhas que a cercam. É tempo de aproveitarmos o gigante volume de informações que somos banhados todos os dias, também para pensarmos, refletirmos e – por não se dizer – nos manifestarmos sobre nossos irmãos que estamos conhecendo maior agora. Vamos marcar esse gol na nossa evolução enquanto seres humanos.

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