“Não dá mais pra voltar”

Não dá mais pra voltar


Marcelo Henrique

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No último dia 12, faleceu o clérigo brasileiro Monsenhor Jonas Abib, um dos últimos a conseguir – mesmo com grande resistência – transmitir suas mensagens de forma livre, sólida e concreta. Dotado de um acervo cultural impressionante, o religioso se expressava como poucos, arrancando aplausos de reconhecimento até daqueles mais distantes de sua Catequese Católica. Exemplo disso são as carinhosas palavras de seu médico assistente – o judeu Elias Knobel – o qual fez questão de declarar que muito do judaísmo aprendeu com os ensinamentos do Pe Jonas. Pessoa ímpar, cuja imensa inteligência retórica era capaz de fazer pregações firmes, por meio de palavras doces.

Como gestor, seu legado transcenderá gerações. Ladeado de um grupo de poucos jovens, em 1978, fundou a Comunidade Canção Nova, no interior de São Paulo. Já em 1980, a Rádio Canção Nova era o primeiro passo de um ousado projeto de atuação nos meios de comunicação. Sob sua presidência, esse grupo da pequena Cachoeira Paulista passou a ter sua editora própria, emissora de TV, centro de formação laico-clerical, além da construção de um enorme complexo de evangelização com capacidade para 80 mil pessoas. Compositor de belíssimas obras do cancioneiro Católico, recebeu do Papa Bento XVI o título de Monsenhor, como reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à Igreja, estando suas homilias e pregações até hoje sempre nas listas das maiores visualizações.

Tudo isso é de cognição geral. Mas acho imprescindível destacar uma lição de liberdade de expressão que ele deixou a nós todos. Dentro de seu proselitismo religioso, concretude de valores e argumentação contundente jamais sobrepuseram-se ao respeito devido aos semelhantes adeptos de outras religiões. Padre Jonas fora vítima dos que se autointitulam politicamente corretos, chegando a ser, inclusive, denunciado pelo Ministério Público da Bahia, nos termos do art. 20 da Lei 7.716/1989 (crime de incitação à discriminação religiosa), quando da publicação de um livro católico. E nada mais era do que a catequese de um padre sendo padre. Máxima que, embora pareça simples, precisou da análise do Supremo Tribunal Federal para assim ser reconhecida. Sinal das tais pessoas e relações líquidas que o inglês Bauman descreve de forma tão magistral. Concorde ou não com sua catequese, a solidez do Pe Jonas é indiscutível, jamais tendo curvado suas convicções ao senso comum.

Portanto, vale dizer que se você é católico, perdemos um sacerdote ungido pelo Espírito Santo. Se você é um admirador de líderes de sucesso, o legado do Padre Jonas fala por si só. Sob qualquer hipótese, como brasileiros, que saibamos nos inspirar nesse homem de inquestionável retidão moral e exercício justo da tão falada, mas pouco respeitada liberdade de expressão. Expressão sempre; agressão jamais. A lição está posta e “não dá mais pra voltar”.

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