Boate Kiss: uma década

Boate Kiss


Marcelo Henrique

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Há dez anos, o Brasil passava por uma das maiores tragédias de sua história. 242 jovens que se divertiam na Boate Kiss, na cidade gaúcha de Santa Maria, tiveram suas vidas abreviadas em incidente apurado e considerado criminoso pela Justiça. Diversas transgressões às normas de segurança, licenças fora de validade e atos impensados compuseram esse triste cenário. Famílias esmagadas de forma abrupta. Vidas perdidas com requintes de crueldade, com mortes por asfixia – a espuma acústica era tóxica e quando em contato com o fogo espalhou sua fumaça –, pessoas que morreram pelo incêndio em si, sem esquecer daqueles que foram pisoteados na tentativa de fugir do local que dispunha de sinalização incorreta de saída, direcionando as vítimas aos sanitários.

Grandes produtoras da mídia estão lançando documentários e séries que recontam a tragédia ainda tão latente na memória do povo brasileiro. Familiares das vítimas, certamente não refeitos dos traumas gerados, tentam criar coragem para acompanhar as produções, mesmo sendo todas elas devidamente aprovadas. Para muitos, reviver os acontecimentos pode reavivar os fatos, trazê-los novamente aos noticiários e, assim, evitar a eventual prescrição de alguns crimes com reprimenda menor. Um movimento naquele sentido de que a mídia comandaria os impulsos do Estado.

Entendo, com toda veemência, que a Justiça deve ser feita e aplicada de forma íntegra, respeitando-se o devido processo legal. Mas, de qualquer forma o escopo estatal não deve se limitar a esse ponto. Ao contrário, deve encarar tragédias como essa como uma amarga lição e criar regras procedimentais rígidas para que a fiscalização seja implacável no que diz respeito à segurança das pessoas. No RS por exemplo, em menos de um ano após os acontecimentos, uma nova lei endureceu as regras para aglomerações com grande quantidade de público. No âmbito federal – em marcha mais lenta – foi em 2017 a sanção, com vetos, da chamada Lei Kiss, a qual definiu os critérios gerais de adequação, funcionamento e fiscalização das boates e estabelecimentos afins por todo o território nacional.

A grande indagação que não quer calar: será que essas regras estão sendo cumpridas com o rigor que a importância do caso impõe? Como disse anteriormente, não sou pela impunidade, ao contrário. Mas entendo que a prevenção e fiscalização de estabelecimentos parecidos deve ser a prioridade do Estado neste momento. Em que pese em atribuições diferentes de sua função – o julgamento incumbe ao Poder Judiciário e as fiscalizações ao Poder Executivo – os esforços devem ter maiores recursos para, mediante todos as ferramentas que dispõe em sua estrutura, tentar – com o máximo de sucesso – impedir que ocorra fato lastimável parecido com o da Boate Kiss. Quanto aos que sucumbiram, ou aos familiares que perderam seus entes queridos, ao menos o consolo de que as medidas criadas ou enrijecidas por conta deles, estão salvando e ainda salvarão muitas vidas neste país.

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