Marcelo Henrique
São Paulo amanheceu com uma demarcação, no mínimo inusitada, na tradicional região dos Campos Elíseos. Uma faixa branca, paralela ao meio-fio, demarca a “porção” da rua Vitória exclusivamente destinada aos integrantes da Cracolândia. Presente há mais de trinta anos, a Cracolândia é um patrimônio paulistano inglório, reflexo de uma sucessão bastante equivocada de políticas de segurança pública e saúde pública. Uma tristeza para aqueles que, como eu, puderam ver o ápice da nacionalmente famosa rua Santa Ifigênia, como o paraíso dos equipamentos eletrônicos, principalmente em áudio e vídeo. Entretanto, o que se viu hoje está alguns degraus acima do que costumamos lamentar. Trata-se de uma verdadeira afronta ao Estado, em mais um ato que parece estar virando regra no Brasil.
Quando os frequentadores da Cracolândia estabelecem uma marcação na malha asfáltica da municipalidade, a ruptura institucional é gravíssima. É a materialização do que chamamos de poder paralelo, em uma investida frontal e direta contra o poder central, apoderando-se, agora, de um aparelho público para atender suas conveniências privadas, e ilícitas. Não à toa, o prefeito municipal de São Paulo, em coletiva de imprensa, declarou que sua administração irá, como primeiro ato de resposta, apagar a demarcação clandestina. Acertada decisão, sobretudo como um levante de reintegração formal de posse do bem público indevidamente esbulhado pelos transgressores. Mas, essa medida deve ser encarada como termo inicial para uma grande investida estatal, em ato conjunto, unindo todas os entes federativos.
Seria o momento de repetir a estratégia usada em 2010 quando da ocupação e retomada do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Uma junção entre as forças de segurança pública, em operação conjunta entre Município, Estado e União, que devolveu à população aquela região outrora comandada pelas forças paralegais. Embora ainda não tenha tomado essa proporção, no que diz respeito à ocupação de espaço, no que tange ao lapso temporal, a Cracolândia já passou do tempo de ser extirpada também. E se essa é uma questão de segurança pública, muito mais é de saúde pública, haja vista tratar-se de uma impiedosa vitrine de dependentes químicos – com poucos recursos financeiros – à mercê dos traficantes prontos para tirar-lhes qualquer tipo de pagamento possível em troca de uma pedra.
Portanto, São Paulo e o Brasil estão diante de uma grande oportunidade de retomar essa região tão importante para todos que amam a “locomotiva do Brasil”. Afinal, esse povo trabalhador e progressista merece ter de volta uma das regiões mais emblemáticas da pauliceia, que é a “Santa”, para os íntimos. E aos dependentes químicos, nada mais justo do que o humano e pertinente tratamento em ambiente hospitalar, com toda a estrutura e suporte que merece o ataque a essa triste enfermidade pessoal e social.