Na madrugada do último dia 30 de abril, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) aprovou licença prévia de instalação para que a empresa Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) dê prosseguimento à construção do Complexo Minerário Serra do Taquaril, na Serra do Curral, cartão postal de Belo Horizonte/MG.
A estrutura vai desmatar um espaço com tamanho aproximado de 1,2 mil campos de futebol, onde a vegetação dará lugar a lavras de minério de ferro, unidades de tratamento de minerais, pilhas de rejeito estéril, estradas internas, bacias de contenção de sedimentos e prédios administrativos. A intenção é que, com tal estrutura, sejam exploradas 31 milhões de toneladas de minério nos próximos 13 anos.
Embora mais de 280 pessoas houvessem se inscrito para se pronunciarem sobre o assunto, o Conselho resolveu realizar a votação às 3h da manhã, após 18h de reunião, momento em que o encontro já havia sido esvaziado e quando 8 conselheiros se declararam a favor do projeto, vencendo os outros 4 que votaram contra.
Entre aqueles que não foram ouvidos a respeito, encontravam-se os representantes da comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiando, instalada a 3km do local, cujas terras serão exploradas pelo empreendimento e cujo direito de manifestação seria garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
A decisão é evidentemente irregular, já que, além de ser uma área com vegetação nativa de Mata Atlântica, definida como “Área Prioritária para Conservação da Biodiversidade Especial”, a Serra do Curral está em processo de tombamento, com dossiê pronto para ser votado pelo Conselho Estadual de Patrimônio Cultural (Conep) desde 2021.
Ademais, a legislação de Nova Lima, município da região metropolitana de Belo Horizonte em que a Serra fica localizada, proíbe a exploração mineral na área, embora ainda assim, segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a prefeitura da cidade tenha dado seu aval para a continuidade do projeto.
A destruição da biodiversidade da região, que abriga quase 40 espécies de plantas e animais ameaçados de extinção, a poluição atmosférica causada pelas explosões para extração do minério, a poluição sonora ocasionada pela atividade mineradora e os riscos de desabamentos, morte de cursos d’água e desabastecimento também foram prejuízos ignorados.
Para justificar empreendimentos como esse, muito se diz sobre a geração de empregos, impactos positivos no Produto Interno Bruto (PIB), aceleração econômica e arrecadação de impostos. No entanto, é necessário considerar que: a) os empregos gerados são precários e insalubres; b) a mineração compulsória gera dependência econômica; c) o minério de ferro é uma commodity sujeita a intensas variações de preços no mercado internacional e esse fator impacta na arrecadação e retorno fiscal da atividade, que fica limitado à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), visto que a atividade de exportação é isenta de ICMS.
Isso mostra que há uma persistente ausência de estratégia econômica autônoma que viabilize a agregação de valor ao material extraído. Essa prática apenas reforça a condição de Minas como mero fornecedor de matéria prima, cujo ônus recai sobre a sociedade mineira sem a devida contrapartida efetiva para as questões econômicas, sociais e ambientais que assolam a qualidade de vida e a dignidade da população.
Em suma, a destruição da Serra do Curral pela atividade mineradora não traz benefícios econômicos suficientes que compensem seus impactos ambientais, sociais e culturais. Existem outras alternativas viáveis para o desenvolvimento do estado que não incluam tantos danos em outros aspectos, já que a economia diz respeito também às questões socioeconômicas e à sustentabilidade.
A administração pública tampouco está preparada para mitigar impactos negativos de tamanha dimensão, enquanto as mineradoras, por sua vez, já apresentam um preocupante histórico de crimes ambientais que terminaram sem tentativas contundentes de reversão, uma demonstração clara da ausência de preocupação com o capital humano, comunidades tradicionais, turismo, meio ambiente e patrimônio histórico.
Por esse motivo, precisamos levantar um debate público amplo a fim de revisar os procedimentos de licencimento ambiental, em Minas Gerais e no Brasil. Os desastres recentemente ocorridos, somados à crise climática, evidenciam as problemáticas de um licenciamento centrado na ideia do “poluidor pagador”, que não é mais suficiente para propiciar à sociedade conforto, segurança, oportunidades de desenvolvimento e escolhas estratégicas baseadas no componente ecológico.
Não é mais inteligente permitirmos que empreendimentos sejam viáveis apenas por cumprirem com a lista de estudos e pareceres previstos em nossa frágil e obsoleta legislação, que está deslocada das atuais necessidades e urgências humanas. Pagar por “externalidades negativas” não é o suficiente para mitigar impactos de diferentes empreendimentos e a interseção entre eles, e isso está levando ao colapso dos biomas dos quais nós, humanos, também fazemos parte.
Até mesmo com outras escolhas econômicas mais sofisticadas, tais como as fundamentadas em parâmetros de bioeconomia ou economia ecológica, acabam prejudicadas por terem que disputar espaço institucional e capital com atividades tradicionalmente devastadoras e portadoras de um paradigma que precisa ser superado. A mineração de ferro, nos moldes atuais, é um dos melhores exemplos desse paradigma de devastação.
Neste sentido, o Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG) e o Sindicato dos Economistas de Minas Gerais (Sindecon-MG) manifestam-se contrários à decisão do Copam e colocam-se à disposição para fomentar debates que contribuam com a construção de um novo modelo de licenciamento ambiental, tendo em conta outros pontos de vista econômicos e ambientais.
As entidades também pretendem se articular para que a licença prévia de instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril seja brevemente revogada, em defesa da natureza, da sociedade e de práticas mais inteligentes para o desenvolvimento, que não impliquem em tantos prejuízos.
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