Prestes a inaugurar unidade em Betim, a rede hospitalar está entre as mais cobiçadas (e invejadas) do Brasil.
Por: Portal Encontro
Foto: Samuel Gê/Encontro
Em 1995, quando a Fundação Dom Cabral (FDC), hoje uma das mais respeitadas escolas de formação de executivos do país, ainda engatinhava, o então presidente Emerson de Almeida decidiu lançar um programa voltado para empresas chamado Parceiros para Excelência (Paex). Entre os alunos dessa primeira turma estava o médico e bem-sucedido empresário do setor de saúde José Salvador Silva, então com 64 anos. Ele matriculou-se no curso estimulado por amigos e curioso para saber o que a tal jovem escola poderia lhe ensinar. Na aula do professor José Luiz de Santana, já falecido, ouviu a seguinte frase: “Somente 10% das empresas sobrevivem à terceira geração”.
Criado em 1980, o Mater Dei, na época, já era um vistoso hospital, desejado por clientes, médicos e planos de saúde. Os quatro filhos de José Salvador e Norma haviam dado a eles nove netos. O impacto da frase associado ao crescimento exponencial da família Salvador deixou inquieto o fundador do Mater Dei. “Eu saí daquela aula incomodado”, diz. “A frase não saía da minha cabeça.” Doutor Salvador, como é chamado, decidiu então construir um caminho que tirasse seu hospital das nefastas estatísticas.
“Fiquei dias pensando calado sobre o assunto, até que me veio a resposta”, diz. “Tenho de fazer um documento que estabeleça regras para salvar a minha empresa.” Ele então ligou para o professor Emerson de Almeida, da FDC, que indicou a professora Elismar Álvares para ajudá-lo na construção do tal documento. Regras foram estabelecidas: apenas um descendente de cada filho seu poderia trabalhar na rede. Antes, no entanto, teria de atuar em algum outro hospital de mesmo porte ou superior ao Mater Dei, além de estudar fora do país. Detalhe: o neto mais velho, José Henrique Salvador, tinha à época 12 anos. O documento foi assinado por todos os membros da família.
Hoje, passados 23 anos, o Mater Dei apresenta um dos mais bem-sucedidos processos sucessórios do país no setor de saúde (e mesmo fora dele), bem como uma gestão reconhecida por especialistas e concorrentes como um dos melhores modelos de governança no segmento. Como consequência disso, está prestes a inaugurar a terceira unidade, na região metropolitana da capital. “São raras as empresas neste país que planejam a sucessão com tamanha antecedência”, diz Elismar Álvares da Silva Campos, professora e pesquisadora associada da FDC. Esse, de acordo com ela, é um dos motivos pelos quais a trajetória da rede Mater Dei vem sendo trilhada com absoluto sucesso
Ainda quando planejava passar o bastão para a 2ª geração – ou seja, para seus três filhos médicos, Henrique (primogênito), Maria Norma e Márcia (Renato preferiu fazer carreira na engenharia) -, em 2011, José Salvador Silva, hoje com 87 anos, foi enfático: “Precisa ter dedicação exclusiva”. Assim como fez, ele próprio, ao longo da vida. Dr. Salvador passou a “viver” no hospital do qual era dono, a ponto de visitar diariamente todos os seus pacientes. “Muitos se assustavam quando eu entrava no quarto”, diz. “Achavam que eu iria cobrar alguma coisa.” Mas ele queria mesmo era ouvir seus clientes para saber o que estavam achando do serviço médico, das instalações e do atendimento. “Essa foi a maior fonte de aprendizado que tive na administração hospitalar”, afirma.
“Isso aqui é o sonho de toda a vida dele”, diz a filha Márcia Salvador, vice-presidente assistencial e operacional da rede. A exemplo do pai, a 2ª geração arregaçou as mangas dos jalecos para manter o hospital no rumo do crescimento, como planejara seu fundador. Atualmente, cerca de 4,5 mil médicos e 2,5 mil funcionários trabalham na Rede Mater Dei de Saúde. “Temos serviços de hotelaria, cozinha, logística e lavanderia”, diz Márcia. “Isso aqui é muito mais complexo do que parece.” A rede hospitalar também contribui para a formação de médicos e residentes, além de estudantes de engenharia, administração, comunicação e marketing, que têm cada vez maior interesse em conhecer o modelo Mater-Dei-de-ser.
“O ser humano tem corpo e espírito. Um hospital, também os tem”, diz Henrique Salvador, presidente da Rede Mater Dei. “O mais difícil é, sem dúvida, construir o espírito.” Nessa cultura própria criada pela família para gerenciar e acompanhar o dia a dia do hospital, indispensável seria ter um canal aberto com o corpo clínico e demais colaboradores. “Não precisa marcar hora para falar com a gente”, diz Henrique, que também é médico mastologista e ginecologista. Esses encontros servem para colher novas ideias. Numa delas, Henrique recebeu dos colegas a demanda pelo robô Da Vinci, tecnologia de última geração que já despontava em algumas instituições médicas por aqui. Era chegada a hora de o hospital entrar numa nova era.
Foram necessários 14 milhões de reais para trazer, em julho de 2017, a versão Xi, a mais moderna disponível no mundo, do robô Da Vinci. Foi o primeiro hospital a adquirir o modelo no estado e o segundo no país (o primeiro foi o Hospital Moriah, em São Paulo). A cirurgia robótica permite procedimentos minimamente invasivos e com recuperação mais rápida do paciente. Mas, afinal, vale a pena investir em tecnologia tão cara? “Nosso negócio não é ganhar dinheiro, mas servir as pessoas”, diz a filha Maria Norma, vice-presidente administrativo-financeira e comercial da rede.
O que Maria Norma, enfim, reproduz é um mantra que acompanha dr. Salvador desde que se formou em medicina, em 1956, mas que “viralizou” na família quando o filho Henrique, aos 17 anos, viajava para fazer intercâmbio nos EUA e recebera do pai um cartão com a seguinte frase: “Servir é um meio de vida. Servir com amor e ideal é sempre o melhor caminho.”
“Hoje, meus filhos comandam isso aqui melhor do que eu”, diz José Salvador. Ao olhar de quem vê de fora, a frase pode parecer um exemplo da modéstia do doutor. Mas, na verdade, não se trata disso. Esse é o estilo, o jeito de fazer de José Salvador. “Ele faz questão de valorizar as pessoas ao seu redor”, diz Maria Norma. “A responsável por tudo isso é minha mulher, Norma”, diz dr. Salvador. “É a mãe quem aproxima ou afasta os filhos dos projetos do pai.”
José Salvador é atualmente o presidente do Conselho de Administração da Rede Mater Dei. Mas está longe daquele perfil de conselheiro que fica sentado numa cadeira com poucas atribuições e muito tempo disponível. Ele não só participa das decisões, como acompanha suas execuções. Até hoje visita pacientes e acompanha as obras do nova unidade de Betim semanalmente.
Leitor inveterado, desde os tempos de infância, quando saiu de sua pequena Santana de Pirapama, região central do estado, onde nasceu, para ganhar a vida como médico ginecologista na capital, José Salvador cultiva o hábito de comprar e distribuir livros para familiares e amigos. Todas as obras presenteadas são lidas por ele, garante Ana, sua secretária há quatro anos. Salvador confirma: “Não dou um livro que não tenha lido ao menos uma vez”, afirma. “Gosto de compartilhar as coisas que me fazem bem.” Foi também a partir da leitura que dr. Salvador começou a preparar e a forjar a formação intelectual de seus netos para, no futuro, tomarem as rédeas da empresa.
Todos os anos, no aniversário do patriarca, ele pedia aos netos um presente no mínimo original: todos tinham de ler e discorrer – em alto e bom som – sobre o que haviam apreendido de um livro presenteado pelo avô. A apresentação era feita na frente dos demais familiares na festa de aniversário de José Salvador, geralmente realizada na fazenda da família, em Confins, região metropolitana. Alguns dos jovens suavam frio; outros pediam ajuda aos primos para não fazerem feio diante da plateia, mas, de um jeito ou de outro, todos aprendiam a importância dos livros. “A leitura me leva a sonhar, me traz descobertas”, diz Salvador. ” Tenho fome de ler.”
Em uma dessas ocasiões, a neta Renata (filha do engenheiro Renato Salvador) começou a chorar de nervosa. Ela tinha de comentar sobre o livro China: viagem ao milagre econômico chinês, do escritor mineiro Luís Giffoni. “Meu avô disse que eu poderia parar, mas eu insisti porque… (pausa, ela chora, emocionada, ao se lembrar do episódio e do avô)”. Renata Salvador está fazendo MBA em Boston, EUA (razão pela qual não aparece na foto de capa desta edição), como parte de sua preparação executiva para se tornar diretora comercial da empresa, onde já atua como gerente administrativa. “Meu avô queria nos capacitar profissionalmente, mas, em verdade, nos preparou para a vida.”
As lições aprendidas com dr. Salvador marcaram para sempre a trajetória dos netos. “Brinco que meu avô deve ter tido aulas secretas”, diz Renata. “O que vejo hoje no MBA é o que ele me ensinou há 15 anos.”
Entre as várias obras presenteadas por José Salvador e depois apresentadas pelos netos, uma parece alegoria perfeita do legado que o avô desejava transmitir: Qual É a Tua Obra?, do filósofo Mário Sérgio Cortella. “Esse livro nos provocou a pensar sobre qual seria o nosso legado”, afirma Felipe Salvador, diretor-médico da rede, filho de Maria Norma.
“Nós estamos preparados para nos doar 100% a este hospital”, diz Lara Salvador, estudante de medicina e que faz estágio no hospital. “Assim como fazem minha mãe (ela é filha de Márcia) e meus tios.” Dos quatro netos escolhidos por suas famílias para a sucessão, na 3ª geração, José Henrique Salvador (filho de Henrique e cujo nome é um junção dos nomes do pai e do avô) é o que está em estágio mais avançado. É, atualmente, diretor de operações da unidade Contorno e sob sua responsabilidade estão 900 colaboradores, 350 leitos e mais de 20 mil pacientes atendidos por mês. “O Mater Dei do futuro precisa ter os mesmos valores cultivados desde o início”, diz José Henrique. “E isso passa pela união da nossa família, porque nós aprendemos aqui que, por detrás de uma empresa saudável, tem de haver uma família saudável.”
A escolha dos quatro netos que seguirão o legado de dr. Salvador (dentre os nove netos existentes) foi sem conflitos. “Nosso avô sempre nos incentivou da mesma forma”, diz Felipe. Cada núcleo familiar identificou quem tinha maior vocação para a tarefa. E todos sabiam, desde sempre, que ser executivo do Mater Dei era garantia certa de vida dura, duríssima, pela frente. É exigido, afinal, que pensem no hospital e nos pacientes sete dias por semana, 24 horas por dia.
Para envolver a família em seus negócios e sonhos, José Salvador valeu-se de um lema simples: “as pessoas gostam daquilo que conhecem”. Com essa crença, ele procurou incluir filhos e netos nos momentos mais importantes da empresa.
Quando ocorreu o leilão, em 1972, no qual comprou o terreno da primeira unidade do Mater Dei, no Santo Agostinho, o filho Henrique, então com 14 anos, estava lá. Quando José Salvador ia acompanhar as obras, Henrique estava lá. Na inauguração, em 1980, Henrique também estava lá. Hoje, Henrique é o presidente da rede hospitalar.
Em 2010, quando ocorreu o leilão de compra do terreno da segunda unidade da rede, na avenida do Contorno, os netos José Henrique, Renata, Felipe e Lara estavam lá. Antes disso, quando decidiu o valor que investiria na compra desse mesmo terreno, dr. Salvador reuniu a família e fez questão de saber a opinião de cada um sobre qual quantia a empresa deveria pagar. Os quatro netos estavam lá. Durante as obras da unidade Contorno (e, agora, da unidade Betim), os netos estavam lá. Na inauguração, idem. Hoje, os quatro netos José Henrique, Renata, Felipe e Lara ocupam ou estão sendo preparados para ocupar funções executivas na rede hospitalar. No futuro da rede, é certo, os quatro estarão lá – para contrariar as estatísticas de mortalidade de empresas brasileiras quando tomadas pela 3ª geração – e para alívio de José Salvador.
Além de obstinado leitor, dr. Salvador é reconhecido frasista. Numa delas, afirma: “Todo pai manda o filho para a escola, mas poucos são aqueles que os ensinam a trabalhar”.
É por crenças como essa que o professor Emerson de Almeida, cofundador da Fundação Dom Cabral, afirma que o Mater Dei foi feito para durar. “A companhia tem raízes profundas e sólidas.” Referência no tema de sucessão corporativa, Emerson colocou a empresa da família Salvador entre os casos mais bem-sucedidos em sua obra A Sucessão Como Ela É, lançada em 2016.
Para abrigar as novas gerações, sonhos e projetos são o que não falta. Apesar de assediada frequentemente por concorrentes e fundos de investimento, do Brasil e fora dele, a família tem uma certeza: não vende o negócio. Até admite eventuais investimentos conjuntos em novas unidades, sobretudo em outros estados, para onde desejam direcionar seus planos. Além disso, a família é proprietária de um enorme e valorizado terreno em Nova Lima, na saída sul da capital; de considerável quantidade de terras no vetor norte, ao lado do aeroporto de Confins (onde fica a fazenda da família); e de inúmeros lotes no bairro Santo Agostinho, região central de BH.
Continuar a crescer, portanto, para a Rede Mater Dei é questão de tempo. Com números de fazer inveja em qualquer operador hospitalar do Brasil, a rede mineira cresce, em média, 15% ao ano; tem gestão de custo extremamente eficiente; e apresenta, segundo seu balanço, rentabilidade de cerca de 32% do faturamento, contra, por exemplo, 27% da Rede D’Or, considerada a vedete do mercado hospitalar brasileiro.
“Não há nada igual no Brasil em termos de gestão”, diz Ernane Bronzati, CEO do Grupo Health, que recentemente adquiriu o Hospital Vera Cruz. “Dr. Salvador é competente e carismático; Henrique é super bem preparado. A pergunta que todos fazemos é como eles conseguem ser tão brilhantes.” Depois de visitar os hospitais da Rede Mater Dei por diversas ocasiões, conversar com quase todo o clã Salvador, além de funcionários, médicos e fornecedores, ao longo de dois meses, Encontro sugere uma resposta: o segredo está na família.
O que pensa a 3ª geração ))
Mater Dei Betim ))
A terceira unidade da Rede Mater Dei de Saúde que abre as portas em janeiro de 2019. O prédio foi erguido em um terreno de 256 mil metros quadrados, entre Betim e Contagem, na região metropolitana. O perfil será de hospital geral e o investimento foi de 220 milhões de reais. Veja o que o hospital vai oferecer:
- 311 leitos de internação
- 36 leitos de UTI adulta e mais
- 20 leitos de UTI Pediátrica e Neonatal
- 13 salas cirúrgicas
- Medicina Diagnóstica, com exames de tomografia, ressonância, ultrassom, mamografia, densitometria, raios X, entre outros
- Serviço de hemodiálise e hemodinâmica
- Oncologia
- Pediatria
- Maternidade
- Pronto-socorro adulto e pediátrico 24 horas
- Heliponto
- Centro de convenções para eventos científicos
- Estacionamento
Rede Mater dei em números
- 2.500 colaboradores
- 4.500 médicos cadastrados
- 52 mil internações / ano
- 2 milhões de exames na Medicina Diagnóstica / ano
- 500 mil pacientes atendidos na emergência e ambulatórios / ano
Faturamento
- 2018: R$ 670 milhões (previsão)
- 2017: R$ 590 milhões
Por: Portal Encontro.