Audiência pública: baixa em reservatórios afeta economia de municípios



A água dos reservatórios de usinas hidrelétricas tem utilidades que vão além da geração de energia elétrica. Quando em níveis muito baixos, esses reservatórios acabam afetando outras atividades além do abastecimento público. Agricultura, turismo, navegação e indústria estão entre os setores mais prejudicados pelo baixo nível dos reservatórios brasileiros, segundo autoridades e especialistas ouvidos hoje (6) em audiência pública da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados.

Diante da situação atual, com alguns reservatórios apresentando baixos índices, a comissão discutiu os critérios de operação da usina de Furnas. A usina é a que tem maior capacidade de energia armazenada, considerada a “caixa d´água do Brasil”, distribuindo água para outros reservatórios. A comissão também debateu “o uso múltiplo das águas”.

Furnas fica localizada na cabeceira do Rio Grande que, junto com outras, leva água até a usina de Itaipu, a segunda maior do mundo.

Segundo o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Carlos Ciocchi, Furnas está no segundo pior índice já registrado no período, com 28,8% do nível de seu reservatório. 

De acordo com o diretor, a situação é bastante preocupante em vários reservatórios. “A Usina Hidrelétrica de Nova Ponte Nova [localizada na cabeceira do Rio Araguari] está com o pior índice [para esse período do ano], com 14,8% [da capacidade de armazenamento de água]; Emborcação [Rio Parnaíba] está com 17,9% [também com o pior índice para o período]; Itumbiara, com 9,8%. Marimbondo, com 11,9%.

“Todas estão em situação bastante crítica”, disse Ciocchi para justificar o fato de estar indo menos água do que normalmente para Itaipu.

Efeito dominó

O efeito dominó está sendo percebido em várias localidades próximas aos reservatórios das hidrelétricas. Representando prefeituras de vários municípios próximos a Furnas, o prefeito de Guaraci (SP), Renato Azeda, disse que a baixa nos reservatórios está comprometendo produções e atividades, principalmente nos “municípios em que a geração de empregos é escassa”. “O comprometimento da produção está causando risco para a safra. Pesca e turismo também são afetados.”

Segundo o prefeito, só em Guaraci, há cerca de 1,2 mil ranchos de veraneio.

Durante a audiência, Azeda pediu às autoridades uma gestão “integrada e equilibrada, para que tenhamos garantido por lei um mínimo de água, principalmente nesses momentos de seca e escassez de chuva, de forma a mantermos nossas condições, nosso turismo, continuarmos crescendo, sem prejudicar nossos pescadores”, disse.

A secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, Marília Carvalho de Melo, defendeu a necessidade de se cumprir o princípio fundamental de uso múltiplo dos reservatórios. “Quando falamos de redução do nível de água dos reservatórios, falamos do impacto que ela causa no abastecimento público, na agricultura, na indústria, na irrigação, na mineração. Pessoas dependem dessa água para outros usos, e a lei que estabelece que o uso múltiplo é um princípio fundamental, também estabelece que o uso prioritário, em caso de escassez, é de abastecimento público e dessedentação animal. Essa discussão que tem de ser posta à mesa”, argumentou a secretária.

Marília de Melo sugeriu a retenção da água em reservatórios de montante [em direção à nascente], de forma a garantir água para os reservatórios subsequentes [jusante], na direção natural do curso do rio, que passa da região mais alta para a mais baixa. Ela defendeu, como forma de garantir níveis razoáveis para os reservatórios, que cotas mínimas definidas para cada reservatório sejam cumpridas.

A exemplo da representante do governo mineiro, o secretário executivo do Comitê da Bacia Hidrográfica dos Afluentes Mineiros do Médio Rio Grande, Henrique Rodarte, defendeu, além do respeito às cotas mínimas, a recuperação de nascente e a produção de energia por meio de outras fontes, como resíduos sólidos. “Sem água, todos ficamos prejudicados. Além dos prejuízos financeiros, há transtornos, como problemas para o uso de balsas em ancoradouros”, disse.

Eletrobras

O secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia (MME), Christiano Vieira da Silva, disse ser “grande o desafio” de atravessar o período seco. Segundo ele, há recursos, “mas diante da criticidade da situação, temos de equilibrar o uso, de forma racional e eficiente”.

“A venda da Eletrobras é importante para propiciarmos recursos para o setor elétrico, e alavancar a capacidade de investimento”, disse o secretário do ministério. Ele destacou que há uma previsão de R$ 30 bilhões da empresa para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), encargo pago pelas empresas de distribuição, com a finalidade de garantir o desenvolvimento energético das unidades federativas e a competitividade do setor a partir de fontes alternativas de energia.

A privatização de empresas do setor foi criticada pelo deputado Padre João (PT-MG). Ele citou informações publicadas na mídia de que os reservatórios teriam sido esvaziados para elevar lucros das empresas do setor, uma vez que a necessidade de se acionar termelétricas aumenta o valor da tarifa de energia. 

Segundo o deputado, “entrou mais água nos reservatórios do que saiu de energia”, e por isso seria “falso alegar que reservatórios estejam vazios por suposta seca no Sudeste, em especial em situação de queda do consumo de energia em detrimento da pandemia, quando houve queda de 10% do consumo”, disse.

Agências reguladoras

O diretor da União dos Empreendedores do Lago de Furnas e Peixoto (Unelagos), Thadeu Lessa disse que a forma como as agências reguladoras colocam a situação “faz parecer que tudo que está acontecendo é algo normal e natural”. 

“Dizem tanto que querem reservatório cheio, então que comecem a agir, porque o que estamos vendo é falta de planejamento, de gestão e de ação”, afirmou. Para ele, o problema não ser atribuído apenas ao clima.

Lessa citou um estudo da Universidade Federal de Santa Catarina, segundo o qual em 2020 o Brasil teria o quarto melhor ano da última década em termos de volume de água entrando nos reservatórios. 

“De acordo com o estudo, entrou o equivalente para a produção de 5150 MW de energia, enquanto a energia produzida foi uma média de apenas 47.300 MW. Como é que a gente pode falar dessa situação de os reservatórios terem sido esvaziados ano passado? A pergunta que fica é: faltou chuva só para encher os reservatórios? A irresponsabilidade que tiveram com Furnas é o que afetou todos os reservatórios.”

Furnas

Segundo o presidente da Furnas Centrais Elétricas, Clóvis Torres, há 91 anos Furnas não registra um seca como a atual. Dizendo lamentar os efeitos para atividades localizadas próximas ao reservatório, ele disse que é “solidário” com a situação das regiões, em especial com o turismo e a agricultura.

Torres acrescentou que a baixa no reservatório pode colocar em risco equipamentos da empresa. Se o reservatório está muito baixo, as turbinas ficam em risco e colocam em risco a usina que, em pior cenário, teria de ser parada, o que implicaria em risco sistêmico”. “É uma situação atípica que esperamos não seja repetida”, disse.

ONS

O diretor do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, disse que, ao perceber que a a estação chuvosa poderia atrasar, deu início a um plano de acionamento de termelétricas.

“Desde outubro do ano passado, até junho deste ano, estamos atravessando a pior sequência dos últimos 91 anos. Isso nos fez adotar ações prioritárias que dizem respeito, principalmente, a reduzir vazões, garantindo que tenhamos administração mais eficiente das usinas jusantes, e também com relação a Furnas”. 

Segundo Ciocchi, o ONS está trabalhando com a flexibilização dos reservatórios do Rio São Francisco, de forma a reduzir a vazão para, ao segurar a água, utilizá-la nos momentos mais críticos. 

“Agora nossa carga é mais baixa, mas tende a aumentar no segundo semestre, e aí, sim, vamos utilizar essas águas. Se não adotássemos essas ações, chegaríamos a 2022 em condições muito frágeis para atender as necessidades de energia daquele ano”, afirmou.

ANA

Outra possibilidade de garantia energética foi apontada pelo superintendente de Regulação da Agência Nacional das Águas (ANA), Patrick Thadeu Thomás. Segundo ele, há uma “discussão sobre operação excepcional da Usina Hidrelétrica de Jirau”, no Rio Madeira, que permitiria “aporte extra de energia” para o Sistema Interligado Nacional.

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