Desde o ano passado, instituição reforçou parcerias e lançou dois projetos para doação de refeições e produção de máscaras de proteção
Com o avanço da Covid-19 no Brasil, as APACs (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), desde o ano passado, têm demonstrado que a união com outras instituições, o trabalho e a boa vontade fazem a diferença diante de situações calamitosas como a pandemia. As APACs são modelos de prisões humanizadas, que visam a recuperação dos condenados e a promoção da justiça restaurativa. Nestes quase dois anos em que toda a sociedade virou refém do coronavirus, as APACs foram palco de duas iniciativas que buscavam minimizar os efeitos da doença: “Humanizar a Pena, Promover a Viva”, já encerrada, onde os recuperandos produziram máscaras de proteção, e “Alimentando a Esperança”, em vigor até dezembro de 2021, na qual os recuperandos produzirão 60 mil refeições para serem doadas a pessoas em situação de vulnerabilidade. A campanha atual é desenvolvida no âmbito do Projeto Além das Fronteiras Brasileiras, realizado pela AVSI Brasil e FBAC, com o apoio do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e co-financiamento da União Europeia.
As ações das APACs para o enfrentamento à Covid-19 tiveram início ainda em 2020, no primeiro ano da pandemia com a campanha “Humanizar a Pena, Promover a Vida”, na qual os recuperandos produziram máscaras de proteção contra a doença. A iniciativa alcançou a marca de 400 mil máscaras em pouco mais de três meses de ação. A campanha foi uma realização da AVSI Brasil e FBAC, com apoio dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e Maranhão, Ministério Público de Minas Gerais, Instituto Minas Pela Paz e a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Maranhão.
Ao todo, cerca de 400 recuperandos de 23 APACs dos estados de Minas Gerais e do Maranhão participaram da iniciativa, que contou com recursos da União Europeia, através do Instrumento Europeu para a Promoção da Democracia e dos Direitos Humanos (IEDDH), e foram utilizados para a compra de máquinas de costura e equipamentos de higienização e esterilização das máscaras, além da matéria-prima.
“As máscaras foram entregues para as comunidades do entorno das APACs, secretarias de saúde, asilos, órgãos públicos e instituições beneficentes, além de servirem para a proteção dos próprios recuperandos e funcionários das APACs”, explica Jacopo Sabatiello, diretor vice-presidente da AVSI Brasil.
Em 2021, com o impacto da pandemia na segurança alimentar do brasileiro, em agosto, 123 recuperandos de 13 APACs dos estados de Minas Gerais, Paraná e Maranhão deram início a outro projeto, “Alimentando a Esperança”, com a produção de refeições a serem doadas a pessoas em situação de vulnerabilidade. Até o momento, já foram entregues mais de 20 mil refeições. As doações são feitas por funcionários das APACs, voluntários e recuperandos em regime aberto e semiaberto.
Segundo Valdeci Ferreira, diretor geral da FBAC, as APACs têm superado estes tempos de pandemia com a criatividade e a solidariedade. “São quase 600 mil mortes no Brasil, quase 600 mil famílias enlutadas, vítimas do coronavírus. Por onde o vírus vai passando, vão ficando marcas de sofrimento, de dor e de tristeza, mortes, famílias enlutadas, desemprego, a fome a miséria. Contudo, as APACs têm sido pontos de apoio com o objetivo de minorar os efeitos da pandemia A campanha traz benefícios para toda a sociedade”, afirma.
Juliana Leal, Coordenadora Regional de Direitos Humanos da AVSI Brasil destaca o protagonismo dos recuperandos nas duas campanhas, uma vez que estas ações de enfrentamento à pandemia são inteiramente realizadas por eles, produzindo, discutindo modelos de máscara, o cardápio das refeições, e todas as demais questões relacionadas à produção. “O método APAC é pautado na autogestão e com essas campanhas não seria diferente”, explica. “Complementar a isso, existe uma equipe que está buscando dar respostas integradas a dois dos principais problemas que emergiram com a pandemia: a fome a desigualdade social”.
As duas campanhas deixam um legado positivo nas comunidades das APACs, impactando essencialmente dois públicos: os próprios recuperandos, que são empoderados para levar adiante ações de apoio às pessoas em condição de vulnerabilidade, e a comunidade como um todo, que se beneficia de políticas que promovem o ODS 16 (Paz, Justiça e Instituições Eficazes) dentro e fora do sistema penitenciário.
Para a coordenadora, o grande número de brasileiros em situação de insegurança alimentar (19 milhões segundo dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil) e a possibilidade de desenvolver campanhas que atingem milhares de pessoas, é o que move o trabalho de todos os envolvidos. “Com o apoio da União Europeia, está sendo possível ampliar os horizontes de ação para mitigar os impactos da pandemia nas camadas mais vulneráveis da população”, finaliza.
APACS
O trabalho das APACs é assessorado pela Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), que é uma entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos, que tem a missão de orientar, assistir, fiscalizar e zelar pelo cumprimento da metodologia, modelo de gestão e normas de disciplina e segurança das APACs, sendo filiada à Prison Fellowship International – PFI, organização consultiva da ONU para assuntos penitenciários, presente em 116 países.
Por meio do Método APAC, criado em 1972 pelo advogado e jornalista Mário Ottoboni, os recuperandos são responsáveis pela cogestão, organização e até mesmo pela segurança e disciplina dos centros de ressocialização. A eficácia pode ser comprovada pelos números. Nas APACs, a taxa de reincidência é de 15% entre os recuperandos homens e 5% entre as mulheres. No sistema penitenciário comum, esse número salta para cerca de 80% no masculino e 15% no feminino.
O Brasil conta hoje com 142 APACs, sendo 62 já em funcionamento e 81 em diferentes estágios de implementação, com um total de 5030 recuperandos cumprindo pena de privação de liberdade. Outros países como México, Paraguai, Chile, Costa Rica, Argentina, Colômbia, Itália, Portugal, Alemanha, Holanda, Letônia, Hungria, Bulgaria e Coreia do Sul aplicam parcialmente ou possuem iniciativas de APAC.
O projeto Más Allá de las Fronteras
Desde novembro de 2017, a AVSI Brasil e FBAC iniciaram o projeto Más Allá de las Fronteras, que tem como objetivo contribuir para o fortalecimento da sociedade civil no combate a atos de tortura, maus-tratos, penas cruéis, desumanas e degradantes, por meio da consolidação/expansão do método APAC em 3 países latino-americanos: Chile, Costa Rica e Paraguai. O projeto é co-financiado pela da União Europeia a partir do Instrumento Europeu para a Democracia e dos Direitos Humanos (IEDDH).
Sobre a AVSI Brasil
Organização brasileira sem fins lucrativos, a AVSI Brasil foi constituída em 2007 para contribuir na melhoria das condições de vida de pessoas que vivem em situações de vulnerabilidade. É vinculada ao contexto internacional por meio da parceria com a Fundação AVSI, organização não governamental de origem italiana que atua no Brasil desde os anos 1980 e que estimulou a criação da AVSI Brasil. Para realizar seus projetos, a entidade constrói parcerias com empresas, setor público, organizações da cooperação internacional e pessoas físicas.