O Ministério Público de São Paulo instaurou inquérito civil para investigar as internações involuntárias de usuários de drogas da Cracolândia. Para o promotor Arthur Pinto Filho, que abriu o inquérito, as internações devem ser consideradas medidas excepcionais, ou seja, só poderiam ser utilizadas quando comprovada a impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde.
A internação involuntária ocorre quando não há o consentimento do usuário, mas atendendo a um pedido de um familiar ou responsável legal. Essa medida está prevista em lei, que foi sancionada pelo presidente da República Jair Bolsonaro em 2019. Para que ela ocorra, no entanto, é necessária uma autorização médica e também de um familiar ou responsável legal.
Ainda segundo a lei, a internação involuntária deve ocorrer no prazo de tempo necessário para a desintoxicação do paciente, sendo um máximo de 90 dias. Todas as internações e altas devem ser informadas ao Ministério Público, à Defensoria Pública e a outros órgãos de fiscalização em até 72 horas.
Desde abril, a prefeitura de São Paulo informou já ter internado involuntariamente 22 pessoas.
Agora o Ministério Público pretende saber se essas internações foram legais, já que o órgão não recebeu as informações sobre elas, como está previsto em lei. Por meio desse inquérito, o promotor solicitou que a Secretaria de Saúde informe a relação de todas as pessoas que foram internadas de forma voluntária (com consentimento do usuário) ou involuntária.
Hospital Bela Vista
O prefeito Ricardo Nunes disse que os usuários internados de forma involuntária estão sendo tratados no Hospital Bela Vista, no centro da capital paulista, hospital municipal de referência para atendimento da população em situação de rua. Em junho, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) informou ter ido até o hospital para avaliar as condições e a infraestrutura que ele oferece. “Não cabe ao médico impor ou convencer qualquer pessoa a submeter-se a quaisquer tratamentos que não seja da livre e espontânea vontade do indivíduo”, disse nota do conselho.
No inquérito civil, o promotor pede que a direção do hospital municipal informe a quantidade de leitos disponíveis para atendimento de saúde mental. Ele deve ouvir funcionários do hospital próxima segunda-feira (20).
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo informou que, neste momento, estão sendo providenciados todos os trâmites burocráticos que foram exigidos pelo Ministério Público para realizar o cadastro dos pacientes internados no Hospital Bela Vista – Santa Dulce dos Pobres. “Assim que o processo for finalizado, todos os dados sobre as internações serão fornecidos ao MP”, informa a nota da secretaria.
Ainda segundo a secretaria, o hospital é uma unidade referenciada também para o tratamento da covid-19, com 88 leitos de clínica geral e 10 de psiquiatria.
Apesar de previstas em lei, as internações involuntárias são alvo de críticas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Para a OMS, o tratamento para a dependência química deve ser feito prioritariamente de forma voluntária e com consentimento do usuário e o confinamento involuntário só deveria ocorrer como medida emergencial. Especialistas, movimentos que atuam com essa população e o Conselho Regional de Psicologia (CRP) de São Paulo também são críticos a esse modelo. “Reiteramos que um tratamento coercitivo, que ignora a dor e o sofrimento já vividos por essas pessoas em situações de extrema vulnerabilidade, além de desumano, poucos frutos irá colher”, disse o conselho, em nota. “Essas pessoas não padecem apenas dos danos causados pelo uso das drogas, mas do desemprego e da falta de moradia, do acesso aos estudos, ao lazer e a alimentação”, escreveu o conselho.
Cracolândia
A nova Cracolândia surgiu em março deste ano, quando usuários migraram do entorno da Praça Júlio Prestes – onde permaneceu por cerca de 30 anos – para a Praça Princesa Isabel. Mas em maio, com uma grande operação policial realizada na Praça Princesa Isabel e que terminou com a morte de um homem, o fluxo se dispersou pela região central da capital. Desde então, as operações policiais têm sido frequentes para continuar dispersando os usuários que tentam se concentrar em alguma rua central.
A polícia e o governo paulista defendem que a dispersão facilita a abordagem aos usuários. Especialistas, no entanto, tem criticado as operações policiais, dizendo que elas não resolvem o problema e ainda prejudicam o trabalho das equipes de saúde e de assistência social. “O que eles estão fazendo é piorando o problema porque eles multiplicam o número de mini Cracolândias e de cenas de uso”, disse o pesquisador do Lab Cidade Aluizio Marino, em entrevista em maio para a Agência Brasil.