Em 1960, o escritor baiano Jorge Amado ajudou a delinear um marco de todos os escritores brasileiros: o Dia Nacional do Escritor. Na ocasião, ele e outro imortal da Academia Brasileira de Letras, João Pelegrino Junior, organizaram o 1º Festival do Escritor Brasileiro. Mais de 60 anos depois, o cenário literário se renova com novos rostos, formatos e temas abordados. Marcada pela escrita independente e por novos formatos de publicação, é possível observar um novo movimento de leitores e escritores no Brasil.
Embora o número de leitores no país esteja em queda (dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil indicam que a porcentagem de leitores no Brasil caiu de 56% para 52% de 2015 para 2019), o mercado registrou um aumento no hábito de leitura durante a pandemia. Além disso, iniciativas que ganham fôlego em redes sociais, como o TikTok e o Twitter, têm estimulado jovens e adolescentes a conhecerem mais obras nacionais.
Diego Drummond, vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), afirma que o público adolescente foi o que mais cresceu entre os leitores – em boa parte por conta da internet. “As redes sociais estão se tornando um vetor de indicação de livro”, reconhece.
Novas temáticas
Um dos destaques de vendas da editora Seguinte, selo da Companhia das Letras voltado para o público jovem, Clara Alves começou a carreira no mercado independente. A escritora de Conectadas (2019) conta que começou a publicar pela internet, em espaços como o Wattpad (plataforma gratuita de publicação e leitura de obras originais). Neste comunidade, seu trabalho chegou a ser premiado. “Apesar de ser algo informal, sem ganhos financeiros ou perspectiva de publicação, me ajudou a acreditar mais na minha escrita e ganhar visibilidade”, comenta.
A primeira tentativa de lançamento foi em 2015, com a estratégia de impressão por demanda. No entanto, o alto custo e outros fatores fizeram com que ela optasse pelo lançamento digital. “Mas foi bom por um tempo, para me ajudar a entender o mercado, a fazer networking, ir em eventos e ser vista”, conta.
A entrada no mercado editorial veio depois de a atual agência da escritora anunciar um pitching para apresentação de obras originais na Bienal do Livro de 2017. Dois anos depois, veio a proposta de lançamento de Conectadas pela Seguinte, com repercussão que, segundo Clara, ainda parece um pouco surreal. “Foi bem louco, mas de um jeito muito bom. Não apenas por saber que, depois de anos de dedicação, finalmente meus livros estavam sendo reconhecidos, como também por tudo que Conectadas significava: uma obra LGBTQIAP+ escrita por uma mulher sobre amor entre garotas”, relata.
Giulianna Domingues foi um dos destaques do selo juvenil Galera Record. A obra de fantasia Luzes do norte foi lançada de forma independente como e-book em 2017. Na época, Giulianna ouviu que não havia espaço para literatura fantástica no Brasil, mas preferiu não acreditar na negativa.
Profissional de marketing, ela relata que o sucesso do livro foi alavancado pelas redes sociais. “Elas dão voz a esse público que está em busca de novas histórias”, afirma. Giulianna acredita que narrativas que trazem personagens não-brancos, LGBTQIAP+ e pessoas com deficiência têm ganhado destaque entre os mais novos. Para ela, o momento literário atual pode ser descrito como “jovem, intrépido e crescente”.
Representatividade
A autora Lavínia Rocha, de Belo Horizonte, tinha 13 anos quando publicou o primeiro livro, Um amor em Barcelona. Nessa idade, Lavínia ainda tinha uma imagem muito limitada de escritor: homem, branco, barbudo e que já não estava mais vivo.
Por ser filha de professor, ela sempre teve contato com o meio escolar – e foi assim que seu primeiro romance ficou conhecido nas escolas. Um amor em Barcelona acabou sendo impresso de forma independente: na época, os pais de Lavínia custearam a publicação como uma forma de incentivar a filha. A obra seguinte já foi publicada por uma editora da capital mineira.
No início da carreira, Lavínia recorda que não conhecia muitos livros brasileiros voltados para o público juvenil. “Uma coisa que me pegava muito era não saber ou mal saber pronunciar os nomes nos livros que eu lia”, conta. Com a inserção no meio literário, ela conheceu mais obras nacionais – como a série Os Karas, de Pedro Bandeira, e os livros da escritora Paula Pimenta, que se passam em Belo Horizonte.
Mas se reconhecer nas obras literárias ainda é um desafio. Lavínia explica que, como mulher negra, percebeu que a cor de sua pele não aparecia nas capas dos livros. As amizades que fez no meio editorial ajudaram a autora a entender e buscar trazer a representatividade para as obras.
Em 2022, o “Quilombinho”, apelido dado ao grupo de amigas formado por Lavínia, Olívia Pilar, Solaine Chioro e Lorrane Fortunato, lançou o e-book Flores ao mar (2022). A obra colaborativa marca o encontro de quatro mulheres que trazem vivências como mulheres negras para as páginas de livros.
A falta de representatividade também chamou a atenção do escritor Stefano Volp, autor de O segredo das larvas (2019) e Homens pretos (não) choram (2022). Em 2020, ao pesquisar obras de ficção escritas por seus ancestrais, como ele mesmo os chama, ele se deparou com diversos contos brasileiros de autores pretos que nunca foram publicados. Foi então que surgiu a ideia do clube de leitura Clube da Caixa Preta. Depois desse grupo, surgiu também a editora Escureceu.
Volp já havia publicado outros contos, romances e até trabalhado como escritor fantasma quando começou a se destacar na cena literária. “Gosto da ideia de que ao comprar meus livros, as pessoas encontram o entretenimento que buscavam, mas que essa sopa também está cheia de caroços e o leitor só vai percebê-los quando já estiver engolido. Nesse caso, são as pautas humanas, raciais e sociais”, explica. “A literatura para mim tem sido uma forma de estabelecer diálogos sobre a profundidade das nossas relações com o mundo e com nós mesmos”.
A importância da divulgação literária
Além de leitores e escritores, uma outra peça fundamental tem se destacado: os divulgadores literários. Eles fazem parte da rede de apoio de escritores independentes, que buscam nessas páginas formas de divulgar novos trabalhos. Em 2020, Íris Teles, 21 anos, resolveu falar, em suas redes sociais, sobre os livros que lia – geralmente obras brasileiras de autores independentes. Ao perceber que esses títulos eram pouco falados na internet, ela criou o Divulga Nacional.
“O Divulga Nacional nasceu com intuito de divulgar autores nacionais. O critério é basicamente esse: ser alguém que escreve dentro do nosso país. Se o autor deseja ser divulgado no perfil, basta redigir um e-mail se apresentando e falando da sua obra”, explica a divulgadora, que também filtra se há discurso de ódio na publicação indicada.
Atualmente, o Divulga Nacional é administrado por Íris e pelo namorado Lucas Estevez, 23. O perfil conta com 57,3 mil seguidores no Twitter e está presente em outras mídias como Instagram e TikTok, além de um canal no Telegram voltado para divulgar promoções de livros.
Como publicar o seu próprio livro
Para mostrar novas possibilidades no cenário da literatura brasileira e incentivar cada vez mais escritores, a Agência Brasil preparou algumas dicas de como ingressar nesse mercado:
– a primeira é unânime entre os entrevistados: continuar a escrever. O exercício da escrita é fundamental para aprimorar técnicas e desenvolver habilidades. A escritora Giulianna Domingues ressalta que é importante “se levar a sério como escritor” para continuar a perseguir o sonho;
– também é fundamental que o escritor amplie horizontes literários e leia escritores contemporâneos. Afinal, a rede de novos escritores é feita de apoio mútuo;
– Antes de fazer uma publicação, é necessário estar atento ao mercado e a onde está o público-alvo. Por isso, uma boa é ficar de olho nas plataformas de publicação independente. Atualmente, existem plataformas que permitem a auto-publicação de obras em formato e-book. Além desse formato, escritores também utilizam recursos como o Wattpad e as próprias redes sociais para postar textos;
– editais de publicação de revistas e editoras também podem ser uma porta de entrada para ingressar no mercado editorial. É importante estar de olho nas oportunidades publicadas nas mídias oficiais e, sempre que possível, também participar de eventos literários. A presença em eventos e na própria internet interagindo com leitores e escritores podem ajudar o autor a criar uma rede de contatos. Participar de antologias e obras colaborativas também é uma boa oportunidade de crescimento para todos os envolvidos.
– e, claro, não deixar de publicar. Há formatos para os mais diversos públicos e uma cena literária onde há espaço para os amantes da leitura e da escrita.
*com supervisão de Nathália Mendes