O ganho de peso entre crianças e adolescentes dá sinais de alerta global há algumas décadas. Porém, o quadro se agravou nos últimos dois anos, com a pandemia da covid-19. É o que indica estudo da revista norte-americana Jama, realizado por pesquisadores da Universidade de Michigan com 191 mil crianças e adolescentes dos Estados Unidos.
Na faixa etária de 5 a 11 anos, o índice de sobrepeso e obesidade saltou de 36,2%, em março de 2019, para 45,7%, em janeiro de 2021, uma média de 2,3 quilos a mais por criança. Os percentuais com Índice de Massa Corporal (IMC) também ficaram bem acima do ideal entre adolescentes. De 12 e 15 anos, o índice subiu de 38,7% para 43,4%, com ganho médio de 2,31 quilos; já entre 16 e 17, foi de 36,5% para 38,2%, com média de 1 quilo a mais na balança.
Segundo os pesquisadores, esse preocupante cenário está associado ao aumento do sedentarismo, indiretamente provocado pelo isolamento. Simultaneamente, a qualidade da alimentação também piorou, com a disseminação da ingestão de calorias vazias, os alimentos de baixo valor nutricional e alto índice de gordura e açúcar, representado pelos práticos pedidos de lanches e pizzas por delivery e os alimentos ultraprocessados, como biscoitos, macarrão instantâneo, sorvetes, salgadinhos de pacote, pratos industrializados congelados e sucos prontos.
No Brasil, os dados mais recentes do ganho de peso em crianças e adolescentes são preliminares à pandemia. Mas não há risco em dizer que a tendência de alta global se repete por aqui, acompanhado pela repetição de comportamentos. Em 2019, já tínhamos 30,8% de crianças e 31,4% de adolescentes em situação de sobrepeso e obesidade, segundo dados do Ministério da Saúde. Agora, tudo indica que vivemos um cenário ainda pior, com maior risco à saúde coletiva por várias décadas adiante, com aumento dos riscos do desenvolvimento de doenças como diabetes tipo 2, colesterol, AVC e determinados tipos de câncer, como o de estômago. Isso sem falar dos quadros de baixa autoestima e estado depressivo.
Infelizmente, se não mudarmos nossos padrões de alimentação, daqui a menos de dez anos, o Brasil poderá ser o quinto país com o maior número de crianças e adolescentes obesos, segundo previsão tenebrosa, mas bastante realista da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Virar este jogo exige implementar drásticas mudanças de hábito na rotina infantojuvenil. Dentre eles, atividade física regular – por pelo menos 30 minutos diários, cinco vezes na semana –, restrição de alimentos de alto valor calórico e baixo valor nutricional, controle das porções de alimentos saudáveis, porém calóricos – como pães integrais e castanhas –, e aumento da ingestão de legumes, verduras, frutas e de refeições com preparos mais naturais.
Em casos crônicos, a criança e o adolescente obesos também podem necessitar do acompanhamento de psicólogo, para tratar de possíveis compulsões alimentares, ligadas à ansiedade. Medicações devem ser usadas para essa faixa etária somente depois de frustradas todas as alternativas, digamos, “orgânicas”. Recursos como o balão intragástrico e a cirurgia bariátrica só são permitidas no Brasil a adolescentes acima de 16 anos, sempre com exames acurados e atendimento médico especializado em obesidade.
Também é fundamental que as autoridades criem políticas públicas de ataque à obesidade infantojuvenil, com planos de alimentação equilibrada nas escolas, leis mais rígidas para a indústria alimentícia e serviços de saúde gratuitos a crianças e adolescentes acima do peso. Para o seu próprio bem coletivo, o país precisa se conscientizar desta verdadeira epidemia de obesidade precoce, que pode comprometer seriamente o futuro.
Dr. Leonardo Salles de Almeida, cirurgião bariátrico e do aparelho digestivo do Instituto Mineiro de Obesidade (IMO) – [email protected]