Uma mãe candomblecista que encontrou dificuldades para matricular a filha em uma escola municipal na cidade de Maricá (RJ) classificou a situação como um ato de discriminação religiosa. Ela disse que só conseguiu regularizar a inscrição da menina após ter sido recebida pela Secretaria Municipal de Educação. A pasta, por sua vez, divulgou outra versão dos acontecimentos: teria faltado documentos para a realização da matrícula.
Toda a controvérsia está sendo acompanhada pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro (CCIR). A entidade, fundada em 2008 por umbandistas e candomblecistas, conta atualmente com representantes das mais variadas crenças. É hoje uma voz atuante em defesa da liberdade religiosa e participa de atividades junto a órgãos governamentais, entidades da sociedade civil e instituições de Justiça como o Ministério Público e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
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A psicóloga Tania Jandira, integrante da CCIR, avalia que nenhum município está imune a enfrentar situações como essa, ainda que tenha administrações progressistas. “Precisamos de um trabalho educativo. Conheço o trabalho da prefeitura de Maricá. Mas me parece que houve negligência e intolerância por parte de direção da escola. É direito da criança se matricular independente de eventuais pendências”, diz. Ela entende que é dever do município dar treinamento para que os funcionários das escolas estejam aptos para lidar com diferentes situações e públicos.
Matrícula
O caso ocorreu na segunda-feira (6). Segundo relato de Brenda, ela e a filha Stella se dirigiram à escola com trajes candomblecistas. “Estamos de preceito, por isso fomos vestidas conforme a orientação do nosso Babalorixá, algo que para nós é motivo de orgulho”, explicou. Ela afirmou que havia feito a pré-matrícula online no dia 28 de janeiro e reuniu a documentação especificada. Conforme relatou, no atendimento presencial, a funcionária se comunicava mensagens de texto e buscava instruções, mas acabou não efetuando a matrícula.
Brenda disse ter esperado a diretora retornar do horário do almoço para resolver a situação. “Ao invés de me explicar como proceder, simplesmente me informou que minha filha não seria matriculada. Questionaram a idade e a série da minha filha, questionaram a veracidade dos documentos, mas em momento algum me acolheram ou sequer me instruíram. Eu fui escrutinada, subjugada, contestada e repelida pela direção escolar. Saí de lá com minha filha tentando entender o motivo de tudo aquilo”. O caso repercutiu nas redes sociais.
A situação da matrícula foi sanada um dia depois junto à Secretaria Municipal de Educação. No mesmo dia, a prefeitura divulgou uma nota afirmando que não houve discriminação e que a mãe estava com documentação insuficiente, havendo também divergências sobre o ano que a criança deveria cursar. “A vaga da aluna continua garantida e resta agora a responsável apresentar os documentos necessários em 30 dias. Caso a mãe não os apresente, é praxe na rede pública municipal de Maricá fazer um teste de nivelamento para determinar a série correta, de acordo com o nível de aprendizagem, o que será feito com a criança neste caso”.
O município sustenta que foi seguido o rito administrativo. “A prefeitura de Maricá reafirma, mais uma vez, sua defesa na pluralidade de religiões e repudia qualquer caso de intolerância religiosa, no âmbito de qualquer instituição pública, sobretudo nas escolas, onde o aprendizado sobre a diversidade e pluralidade do mundo são essenciais”, acrescenta a nota.
A manifestação causou indignação em Brenda. “Tenho que deixar claro que fui bem recebida na secretaria e tive todas as orientações, além de ter sido finalmente ouvida e respeitada. O que eu não poderia imaginar era que a prefeitura de Maricá publicaria uma nota de esclarecimento dizendo que toda a minha história era falsa. Todo o meu sofrimento foi deslegitimado em prol da boa imagem da prefeitura e de seus funcionários. Ela sequer ouviu a minha versão antes de publicar a nota”, afirma Brenda.
Tania Jandira avalia que o caso revela uma falta de diálogo e uma necessidade de maior preparo. Segundo a integrante da CCIR, a devida orientação acerca dos documentos só ocorreu depois que a mãe se movimentou contra a recusa da matrícula. “Não adianta a prefeitura ficar insistindo em uma mesma tecla. A gente vive em um país intolerante e preconceituoso. Precisamos proteger os direitos. Nesse caso, faltou isso”, opinou.