Marcelo Henrique
Hoje, pela manhã, o país foi surpreendido com a triste notícia do falecimento de Glória Maria, a grande jornalista da Rede Globo que fez escola com sua forma instigante e clara de transmitir notícias, entrevistas e compartilhar informações com milhares de pessoas, com a natureza de um bate papo informal. Aos setenta e três anos de idade, Glória foi uma das repórteres da televisão mundial que mais visitou países ao redor do mundo, sobrepondo a função de informar aos medos e desafios inerentes à humanidade, sempre em busca do melhor ângulo, da melhor matéria.
Precursora de uma geração, vale destacar sua importante atuação na luta contra o racismo e a favor do tratamento igualitário entre homens e mulheres. Crente nos seus ideais e convicta da função libertadora de sua profissão, enfrentou o então Presidente da República general João Figueiredo, o qual teria dito (segundo relato da própria Glória) de que, perto dele, não queria “a neguinha da Globo”, em uma clara alusão racista à já icônica jornalista. Ela permaneceu, sendo também a primeira pessoa do Brasil a se valer da Lei Afonso Arinos, que criminalizou o racismo em nosso ordenamento jurídico.
Ela foi barrada dentro de um dos mais famosos hotéis do Rio de Janeiro, pessoalmente, pelo gerente da empresa. Não se intimidou e levou o funcionário em questão aos tribunais, pela prática que, nos dias atuais, recebe a tipificação de injúria racial, mas, por alteração legislativa de 2023 é punida com a mesma severidade do crime de racismo. Uma marca que Glória sentiu durante anos, tendo – segundo suas palavras – aprendido a se blindar, tendo como missão o fazer com suas duas filhas, ainda bem jovens.
De fato, o legado de Glória Maria transcende, e muito, os limites de sua pessoa. Ela representa o exemplo de sucesso de uma a menina carioca, de Vila Isabel, negra, que ascendeu na vida por meio do estudo e do trabalho. Uma luz que brilhou por muitos anos sendo o clarão no final do túnel para muitas pessoas, que viam nela o caso de sucesso que buscavam perseguir. Aliás, não faz muito tempo que, nas atividades da emissora de televisão, acompanhei a entrevista de uma grande defensora pública do Rio de Janeiro que sonhava em ser artista e era constantemente censurada pela mãe cautelosa, a qual via no fato de serem negras um óbice para os sonhos da menina. E a resposta da então infante resumia-se à máxima de que se Glória Maria conseguiu, ela também poderia chegar lá. E chegou.
E assim fico imaginando quantas defensoras, advogadas, médicas e jornalistas ela não influenciou e, mesmo sem saber, foi o grande exemplo de vida? Definitivamente, parte hoje uma das pessoas do século XX que nasceram para inspirar e ensinar. Que Deus a acolha em bom lugar e conforte sua família.