Uma década após PEC, empregadas domésticas ainda lutam por direitos




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A sociedade precisa entender que realizar tarefas domésticas não diminui a trabalhadora e que ela deve receber os direitos proporcionalmente à atividade. A afirmação é da coordenadora geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), Luiza Batista. Neste domingo (2), a PEC das Domésticas completa dez anos, em meio ao aumento da informalidade e a precariedade ainda persistente entre as trabalhadoras brasileiras.

“As nossas expectativas é que a luta continue, porque se o empregador quer que alguém faça [o trabalho doméstico] tem que entender que aquela pessoa merece ser respeitada enquanto trabalhadora e que se tem direitos, também tem que respeitar esses direitos”, disse a coordenadora da Fenatrad.

Brasília (DF) - PEC das Domésticas: 10 anos depois.
Francisca Araújo de Carvalho, posa para foto. 
Foto: Divulgaçāo
Brasília (DF) - PEC das Domésticas: 10 anos depois.
Francisca Araújo de Carvalho, posa para foto. 
Foto: Divulgaçāo

 Foto: Divulgaçāo

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A diarista Francisca Araújo de Carvalho, de 48 anos, conta, por exemplo, que alguns empregadores não respeitam o limite de oito horas diárias de serviço. “Têm pessoas que chamam uma vez por mês e quer que façamos todo o serviço de um mês em uma diária. E, geralmente, passamos do horário. Ou você dá conta ou a pessoa não te contrata”, disse.

Segundo Luiza Batista, houve avanços, mas a igualdade com os demais trabalhadores ainda não acontece de forma integral. Para ela, é preciso aprofundar as conquistas da PEC das Domésticas, com a universalização dos direitos dos demais trabalhadores, como seguro-desemprego e atestado médico.

A coordenadora da Fenatrad explicou que as domésticas só têm direito a três parcelas do seguro-desemprego, no valor de um salário mínimo nacional (hoje em R$ 1.302), enquanto as demais categorias têm direito a cinco parcelas, até o teto máximo do seguro-desemprego, que está em R$ 2.230.97.

Em relação ao atestado médico, trabalhadores em geral têm o salário pago pelo INSS após 14 dias de afastamento. Já para as domésticas, a legislação não é clara. Segundo Luiza, caberia ao INSS pagar desde o 1º dia de afastamento, mas isso não acontece na prática, o que acaba criando um jogo de empurra entre empregador e INSS.

Também são prioridades para a categoria uma maior oferta de creches, de escolas em tempo integral e a retomada do Trabalho Doméstico Cidadão (TDC), programa criado em 2006, que oferecia formação escolar e qualificação profissional aos trabalhadores.

A Fenatrad participou da transição do governo do presidente Luiz Inácio Lula na Silva em dois subgrupos de trabalho, de políticas para mulheres e de desigualdade e gênero. Agora, a entidade espera que o governo retome as políticas públicas e reveja alguns pontos da lei.

“E esperamos que a economia comece a alavancar e que a classe média volte a ter o padrão de vida que tinha antes [da pandemia]. A maioria dos nossos empregadores é de classe média. Quando torcemos por nós, também torcemos para outras classes sociais, a nossa empregabilidade vem dessas pessoas”, argumentou.

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, avalia que PEC das Domésticas foi um “marco na revisão da história de exploração do Brasil e de garantia dos direitos das mulheres”. Ela destacou que a categoria é formada em sua maioria por mulheres negras. No entanto, ainda há desafios a serem enfrentados. 

“Apesar de ter trazido muitos avanços e mudado a história de milhões de pessoas ao longo desta década, há ainda muitos desafios a serem superados para aumentar a contratação formal. Para isso, é preciso enfrentar o racismo estrutural e o machismo na sociedade, além de sempre atuar com políticas públicas para assegurar a autonomia econômica das mulheres”, afimou. 

A ministra ressaltou que o governo federal anunciou no mês passado políticas que contribuem para a categoria como a assinatura da Convenção 156 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata dos direitos dos trabalhadores com responsabilidades familiares – e a criação de um grupo de trabalho para construir uma Política Nacional de Cuidados.

História de lutas

Luiza Batista destaca que os direitos das trabalhadoras domésticas foram concedidos de forma muito lenta ao longo da história.

Enquanto a massa dos trabalhadores teve direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, somente em 1972, a Lei nº 5.859 garantiu às domésticas carteira assinada, férias remuneradas e acesso a benefícios da Previdência Social. Mais de uma década depois, a Constituição de 1988 previu alguns direitos a mais, como salário mínimo, 13º salário, repouso semanal remunerado, licença maternidade e direito ao aviso prévio.

Para o economista Marcelo Neri, diretor do centro de estudos FGV Social, a luta das trabalhadoras domésticas se guia a questões de direitos humanos e direitos trabalhistas iguais. “A questão de empregadas domésticas reflete não só desigualdade de gênero mas na desigualdade racial, que remonta a essa herança escravagista. Acho que é tentativa de entrar no século 21 e sair do século 19, acho que vai na direção correta”, argumentou.

Para ele, é possível ainda pensar na diminuição do número de empregadas domésticas. “As filhas de empregadas domésticas querem outra profissão e elas têm mais educação que suas mães. Acho que, talvez, caiba ao Estado brasileiro a provisão de treinamento e outros apoios para que esse grande número de empregadas domésticas seja diminuída ao longo do tempo”, disse.

Brasília (DF) - PEC das Domésticas: 10 anos depois.
Edriana de Souza Ribeiro e Sabrina Beatriz Ribeiro posam para foto.  
Foto: Divulgaçāo
Brasília (DF) - PEC das Domésticas: 10 anos depois.
Edriana de Souza Ribeiro e Sabrina Beatriz Ribeiro posam para foto.  
Foto: Divulgaçāo

BEdriana de Souza Ribeiro e Sabrina Beatriz Ribeiro Foto: Divulgaçāo

Já para Luiza, as politicas públicas ainda não são suficientes para proporcionar essa realidade de forma mais generalizada. Mas os casos acontecem. A trabalhadora doméstica Edriana acreditou na educação e, com incentivo, sua filha Sabrina Beatriz Ribeiro estudou na mesma universidade pública que o filho de sua empregadora. Hoje com 24 anos, Sabrina é advogada e continua os estudos de mestrado na Universidade de Brasília (UnB), com o tema de pesquisa sobre o trabalho doméstico no Brasil.

Segundo Sabrina, alguns dos abusos dos empregadores são naturalizados pelas trabalhadoras, pois muitas delas fazem trabalhos domésticos desde crianças. Ela cita a falta de capacidade do Ministério Público do Trabalho (MPT) em fiscalizar as fraudes.

“Um dos grandes problemas é a ausência de fiscalização do MPT e a ausência de intenção de fiscalizar. A casa é considerada asilo inviolável e não se pode adentrar de qualquer forma para fazer vistorias e isso tem sido muito utilizado por pessoas que não cumprem a legislação trabalhistas e mantém as empregadas domésticas em situação de escravidão. Isso é uma situação mais gritante, mas existem muitas mulheres que têm direitos violados e elas não sabem porque para elas é natural, como algo que fazem desde sempre, já naturalizam e acham que tudo bem”, argumentou.

A coordenadora da Fenatrad concorda com a dificuldade de fiscalização no setor. “É uma coisa que só existe no trabalho doméstico, o sindicato não poder ir na residência. Até mesmo o MPT, no caso de denúncia de trabalho análogo à escravidão, precisa de autorização judicial para ir à residência e resgatar a trabalhadora”, disse.

Por isso, a entidade atua para esclarecer os direitos das trabalhadoras. Em conjunto com a organização Themis, a Fenatrad desenvolveu o aplicativo Laudelina, um guia sobre os direitos trabalhistas das domésticas. A ferramenta calcula salários, benefícios e valores da rescisão contratual e também possibilita a criação de uma rede de contatos entre as trabalhadoras e suas entidades representativas, além de disponibilizar um espaço para denúncias de abusos.

O aplicativo está disponível na internet e para download para celulares Android. O nome da ferramenta é uma homenagem a Laudelina de Campos Melo, ativista do movimento negro que criou a primeira associação de trabalhadoras domésticas no Brasil, em 1936, em Campinas (SP).

A Agência Brasil pediu dados e informações sobre a fiscalização ao Ministério Público do Trabalho, mas o órgão não atendeu a solicitação até a publicação desta matéria.

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