Ana Medeiros
Quero dedicar esse artigo a todos os “Vavas”, no Brasil que foram vítimas de injustiça e violência. E também a todos que foram vítimas de toda forma de preconceito, principalmente envolvendo cor da pele e classe social.
Ao escrever este artigo, lembro-me do professor Jama Adams, em uma de suas palestras dizendo que as normas, políticas e regulamentos sociais que existem, muitos deles, precisam ser alterados para corrigir os erros e crimes cometidos contra grupos minoritários, por gerações. Essas normas sociais e políticas acabam sendo opressivas e desumanas, em um processo cujo embate acadêmico deve acontecer.
Na minha opinião, esse conjunto de normas complexas e de pouca observância prática foi criado para afastar os menos favorecidos das autoridades e deixar os sistemas públicos à disposição das pessoas mais abastadas. Essas leis e regulamentos de normas sociais criam blocos de linha para barrar, detêm e controlam grupos minoritários e mantém os pobres na base da estratificação social de uma sociedade, ou melhor, para manter os pobres sempre cada vez mais pobres e, principalmente, sem condições de reagir. Tornando-se cada vez mais subservientes às decisões e escolhas das classes dominantes.
Seguindo esse raciocínio de análise, podemos apenas concluir que ao longo da história fica evidente que a sociedade, intencionalmente, cria certas políticas e normas para punir os pobres, os negros, a população com transtornos de saúde mental e usuários de substâncias . Compreender os fatores sociais e a história da humanidade é importante e necessário para entender a presença de muitos elementos políticos e socioeconômicos que confrontam a sociedade em todos os lugares do mundo.
No entanto, este texto será direcionado a um caso que aconteceu no Brasil, em novembro de 2021. Esse caso deixa bastante claro o modo velado como o racismo e o preconceito ainda são muito fortes no Brasil. Um jovem negro, então com 17 anos, em uma pequena cidade do Brasil, de aproximadamente 35 mil habitantes. O adolescente, com histórico de transtornos de saúde mental, foi vítima de grande violência, inclusive física.
Vavá era conhecido no lugar onde nasceu e foi criado. Ele nasceu no Mucambo e foi criado no Morro dos Anjicos, povoado que foi fundado pelo o seu tataravô Joao Fernandes Medeiros. Desde os 8 anos de idade ele sofreu bullying e racismo nas escolas onde estudava. Aos 14 anos, foi torturado e espancado com uma toalha molhada enrolada em um tijolo e uma ripa de madeira cheia de parafusos, ao som de: “Negro Vagabundo”. Isso segundo relato de testemunhas locais, na tentativa de conter uma crise psíquica. As pessoas que deveriam ajudá-lo e protegê-lo foram as que o trataram como um criminoso e negaram-lhe a ajuda e o apoio de que ele mais precisava.
Vavá foi levado pelo Conselho Tutelar sem o conhecimento de nenhum familiar. E está desaparecido há 3 anos, sem qualquer pista de seu paradeiro.
Uma gravíssima violação aos direitos do adolescente, nos termos do ECA. A verdade é que a violência foi motivada principalmente por racismo e discriminação, devido à sua hipossuficiência. A família clama por Justiça e busca com as autoridades competentes as respostas, os esclarecimentos e responsabilizações pertinentes ao caso. Até agora nenhum dos envolvidos foi punido.
As pessoas que o levaram Vandeilson até hoje nunca deram conta de seu paradeiro. Por isso trago as palavras O professor Luis Barros costumava dizer que o sistema judiciário é duplo quando se trata de pobres e negros, ou seja, é um sistema de justiça seletiva, que faz justiça apenas aos amigos e iguais, reservando as punições apenas aos inimigos e excluídos da sociedade.
Boatos são muitos. Teria sido o jovem depositado em uma clínica psiquiátrica, em uma comunidade terapêutica, ou em tantos outros já mencionados. Fato é que cabe o Estado essa resposta. Cabe àqueles que o levaram de sua casa as respostas que intrigam e entristecem há tanto tempo essa família.
Para concluir, devo dizer que Brasil afora, há muitos “Vavas” que, como Vandeilson, foram vítimas de um sistema com ranços escravocratas, que enxerga o negro e o pobres como mercadorias para ser negociadas. Talvez em troca de verbas ou de votos. Vava é mais uma vítima do racismo, esse mal que não tem misericórdia nem mesmo para com aqueles que sofrem de transtornos de saúde mental. Aos agentes do Estado, não se pode aceitar a simples negativa dos transtornos de saúde mental, apontando-se os cinco dedos como se suas crises fossem fruto de dependência química. Mais uma lamentável e inaceitável desculpa. É direito inegável da família saber exatamente tudo o que aconteceu e, principalmente, ser informada precisamente do paradeiro do jovem, o qual atingiu a maioridade completamente distanciado, à força, dos seus.
*Ana Medeiros é ativista de Direitos Humanos e estudiosa de temas ligados ao racismo, preconceito e questões ligadas à cidadania nos países latino-americanos. É brasileira radicada nos Estados Unidos há muitos anos.