A negação ao acesso à justiça, a impunidade, a incerteza e a criminalização das vítimas são as maiores causas do adoecimento de mães que tiveram filhos assassinados ou desaparecidos por ação do Estado. As consequências na saúde física e mental dessas mulheres são o objeto da pesquisa Vozes da dor, da luta e da resistência das mulheres/mães de vítimas da violência de Estado no Brasil, que está sendo realizada pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (CAAF/Unifesp).
Na pesquisa, as mães não são apenas objeto e participam ativamente da metodologia, do roteiro de perguntas e das entrevistas. O estudo tem a participação de quatro mães de referência, articuladas nos movimentos em busca de justiça pela morte dos filhos, que são consideradas pesquisadoras sociais, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Ceará.
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“É uma violência reiterada e institucional. Além da violência do fato, elas sofrem violência todos os dias pelas instituições. O Estado mata o filho, mas também vai matando as mães e as famílias aos pouquinhos. Essas mães passam a vida tentando provar que os filhos não foram bandidos e, mesmo se fossem, não poderiam ter sido mortos, pois não há pena de morte no Brasil”, diz a pesquisadora Aline Lúcia de Rocco Gomes, uma das responsáveis pela pesquisa, que deve ser concluída em outubro deste ano.
O objetivo da pesquisa, que ainda passará pelas etapas de análise e conclusão, é dar subsídios para a construção de uma política pública de atendimento integral.
“Um projeto só não resolve, nós queremos uma política pública. Pensamos em um programa que dê um atendimento especializado para essas mães, atendimento integral e multidisciplinar, com acompanhamento jurídico e psicológico e que encaminhe para programas de orientação social “, explica Aline.
Segundo a pesquisadora, atualmente, o atendimento oferecido nas defensorias públicas e nos centros de referência e apoio à vítima (Cravi), por exemplo, não atendem essa demanda na prática.
O relatório parcial da pesquisa foi apresentado na última quinta-feira (10), durante seminário realizado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, em parceria com o Movimento Independente Mães de Maio.
No evento, o ministro Silvio Almeida disse que são inadmissíveis situações como a de um menino de 13 anos que foi assassinado com um tiro nas costas, em referência ao caso recente ocorrido no Rio de Janeiro.
“Em um Estado que legitima a violência sem fronteiras por parte de agentes de Estado, os trabalhadores que fazem parte da segurança pública também são vitimados e, claro, também vai ter uma mãe que chora. As mães dos policiais também choram seus filhos, porque nós vivemos em um Estado de violência. Agora, é importante dizer também que quem dá tiro nas costas de uma criança, um adolescente, não é policial, é bandido”, completou o ministro.
Acolhimento
Uma das mães que fazem parte da equipe como pesquisadora social, é Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Independente Mães de Maio e pesquisadora da CAAF/Unifesp . Ela perdeu o filho, o gari Edson Rogério Silva dos Santos, em 2006, aos 29 anos, durante a série de ataques conhecidos como Crimes de Maio, em São Paulo, que culminaram na morte de cerca de 600 pessoas.
“Meu filho era um gari que trabalhou no dia da sua morte, mesmo com um atestado médico após a extração de um dente. Levou um rótulo de suspeito por ser preto, e eu tenho que lutar todos os dias para provar que meu filho era um trabalhador”, lamenta Débora.
Para ela, a pesquisa mostra a necessidade do acolhimento das mães que adoecem em consequência da violência contra seus filhos.
“É preciso ter uma política pública efetiva para essas mães e familiares que estão morrendo. Porque, a cada menino que cai nas favelas e nas periferias, a gente vê a vida dos nossos filhos sendo ceifada, e isso é uma tortura psicológica terrível”, diz Débora.
Entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, uma onda de ataques deixou 564 mortos e 110 feridos em São Paulo. Naquela semana, agentes de segurança do estado de São Paulo e grupos de extermínio saíram às ruas em retaliação a ataques da organização Primeiro Comando da Capital (PCC). As investigações foram arquivadas a pedido do Ministério Público estadual e, até hoje, ninguém foi condenado pelos crimes.