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Especialista em questões de gênero fala sobre o impacto dos casos e destaca levantamento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
A realidade de uma mulher negra é cheia de angústias, dores e preocupações que, muitas vezes, sequer chegam a passar pela vida de pessoas brancas. Os desafios e situações conflituosas com as quais precisam lidar todos os dias são como uma maratona repleta de obstáculos que atingem o emocional, o físico e deixam marcas que permanecem por toda a vida. E como se não bastassem os múltiplos medos vivenciados em todas as áreas, situações preocupantes ocorrem até mesmo nos momentos que deveriam ser de acolhimento, cuidado humanizado e tratativas para auxiliar na chegada de suas crias.
Constantemente mulheres negras são alvos de preconceito e tratamentos inadequados também na hora do parto, o que coloca suas vidas em risco e torna o fim da gestação um motivo de pavor, no que chamamos de violência obstétrica. Com desafios únicos qu
e envolvem discriminação, abandono e negligência médica, os casos se acumulam no momento de dar à luz, revelando uma falta de preparo dos profissionais para lidar com as questões de gênero no ambiente das maternidades.Há um mito de que a mulher negra é forte, por essa razão, nem sempre é utilizada a dose necessária de anestésico.
“Esse assunto vem sendo falado há algum tempo, mas quando levamos para a ótica das questões de gênero, a pauta se torna mais grave ainda. Hoje, há pesquisadores que já estudam a violência obstétrica, uma realidade que tem crescido e afeta de forma desproporcional as mulheres negras, necessitando de medidas urgentes para que enfrentemos esse problema de frente. Esse tipo de atendimento leva milhões de mulheres negras a hesitar na hora de procurar atendimento médico, especialmente quando o assunto é rotina ou prevenção. Especialmente quando o assunto é maternidade, não há saúde mental para tolerar comportamento discriminatório e negligência, num momento que deveria ser tão especial pra gente, destaca a especialista em Diversidade, Juliana Kaiser.
Tal realidade foi recentemente divulgada em um levantamento realizado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, em colaboração com a Associação de Doulas, que trouxe dados preocupantes sobre a incidência dessa forma de violência entre gestantes no estado.
Entre os anos de 2019 e 2023, um total de 31 gestantes submeteram denúncias ao órgão, com relatos de violência obstétrica no Rio de Janeiro, incluindo quatro casos envolvendo mulheres de outros estados. Dentre as denúncias estão queixas como abandono durante o parto, falta de opção quanto ao tipo de parto, proibição de acompanhantes, recusa de alívio para dor, abusos verbais e até mesmo xingamentos.
Segundo Juliana, é necessário que sejam intensificadas medidas de segurança e para a garantia da saúde e dos direitos básicos da mulher. “A violência obstétrica não se limita apenas às agressões físicas, mas inclui violações dos direitos das mulheres durante o parto, afetando não só sua saúde física, mas também emocional. No caso das mulheres negras, ela se entrelaça com outras formas de discriminação, ampliando ainda mais os impactos negativos. Para reverter esse cenário, é necessário que seja feito em caráter de urgência uma verdadeira mudança nos sistemas de saúde, implementando ações que respeitem as mulheres no parto, tenham equipes sensíveis/preparadas para os procedimentos, além de podermos contar com canais especializados para as denúncias e um suporte adequado para quem passe por esses casos. E, mais do que isso, são necessárias a conscientização e uma luta real por essa busca de que tenhamos o acesso ao que é direito, sem qualquer minimização pela cor da pele”, pontua Juliana.