Há mais de uma década, programa liderado pelo Brasil trabalha para unir países latino-americanos em torno de um produto: o algodão. O Brasil é o maior exportador deste vegetal do mundo, terceiro lugar no ranking de maiores produtores da fibra e líder mundial em produção de algodão sustentável. Com a parceria +ALgodão, a ideia é que os países vizinhos também trabalhem de forma sustentável e invistam em seus artesanatos mais autênticos feitos a partir do algodão, para assim atrelar o produto brasileiro à identidade latino-americana com valores como rastreabilidade, ancestralidade, respeito ao meio ambiente e combate à fome e à pobreza.
Para destacar o setor que responde por cerca de 250 milhões de empregos diretos e indiretos no mundo, a Organização das Nações Unidas elegeu 7 de outubro como Dia Mundial do Algodão.
O programa de cooperação internacional +ALgodão é liderado pelo Brasil por meio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Itamaraty, e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em parceria com a Embrapa e a Assistência Técnica da Empresa Paraibana de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural Paraíba (Empaer-PB). A cooperação envolve Colômbia, Peru, Equador, Bolívia, Paraguai, Argentina, Haiti e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
A origem do investimento para esse programa remonta ao ano de 2002, quando o Brasil contestou, na Organização Mundial do Comércio, subsídios que o governo dos Estados Unidos concedia a seus produtores de algodão. Em 2014, depois de doze anos de disputa, os Estados Unidos tiveram que pagar 300 milhões de dólares ao Brasil. Dez por cento deste valor foi destinado à cooperação internacional.
Cecília Malaguti, coordenadora de cooperação sul-sul trilateral da ABC, ressalta que além do programa +ALgodão, direcionado a América Latina e Caribe, também existe cooperação com países africanos produtores da fibra. “Para cada uma dessas duas iniciativas, definimos uma estratégia diferente. Na cooperação do Brasil com a África, iniciamos com cooperação bilateral, que é Brasil diretamente com cada um desses países, que foram 15 inicialmente. E na América Latina, resolvemos desenvolver esse programa a partir de projetos em parcerias com organismos internacionais”, esclarece Cecília, sobre o envolvimento da FAO.
A coordenadora destaca que o nome +ALgodão tem o ‘AL’ de América Latina e foi desenvolvido em conjunto entre os participantes. “Um nome que é simples e diz tudo”, constata Cecília.
Parceria
Em Bogotá, o embaixador brasileiro Paulo Estivallet de Mesquita defendeu que uma das vantagens de ajudar a desenvolver o algodão em países parceiros é a diversificação: “a extensão dessa produção para outros países que têm outros climas, outras situações geográficas, pode em algum momento, se nós enfrentarmos uma dificuldade, também ser um bom fornecedor para equilibrar o mercado brasileiro”.
O embaixador do Brasil na Colômbia lembrou que o algodão brasileiro superou uma forte crise nos anos de 1980 e 1990. Os colombianos também enfrentaram dificuldades na mesma época, mas ao contrário do Brasil, não se recuperaram plenamente até hoje. No auge, na década de 1970, o algodão era o segundo produto mais importante do país vizinho, só perdia para o café. Os colombianos plantavam 350 mil hectares de algodão e produziam mais de 300 mil toneladas. Hoje, são no máximo 20 mil hectares cultivados e uma produção de 20 mil toneladas, segundo o presidente da Congregação Colombiana do Algodão, Cesar Villalba.
Para retomar o ritmo de produção do algodão na Colômbia, o Brasil tem transferido técnicas sustentáveis de cultivo.
Sustentabilidade
De 2017 até agora, o programa +ALgodão tem trabalhado na Colômbia com o uso de técnicas brasileiras como substituição de agrotóxico por biofertilizante, sistema de irrigação que não desperdiça água e rotação de culturas. Isso tem reduzido os custos da produção e os pequenos produtores colombianos têm aprovado. “Está indo muito bem e se vê uma boa mata e um bom algodão”, comenta Rosa Rubiano Rojas, que cultiva em terras que ficam a seis horas da capital Bogotá. Rosa vive com a família na zona rural de Villavieja, município que guarda o Deserto de Tatacoa, a segunda área mais árida da Colômbia.
O clima seco desta região produtora colombiana traz à tona semelhanças com a produção de algodão orgânico no semiárido paraibano. Jefferson Morais, diretor de Empaer, acrescenta que “a maioria dos agricultores que estão trabalhando dentro do projeto são agricultores familiares com pequenas áreas, o estado da Paraíba não é diferente, eles praticamente não têm o título da terra, eles arrendam a terra para poderem produzir”.
É o caso do agricultor Alfredo Antonio Ramos Rivas, de Cereté, município na região caribenha. Além do algodão, ele planta vários outros produtos para garantir as refeições da família e para vender o excedente. Um deles é o milho, base alimentar dos colombianos, usado para fazer “arepa”, tão comum para eles quanto um pão francês no Brasil. Alfredo conta que uma das maiores vantagens para ele do programa de cooperação +ALgodão é a assistência técnica gratuita. “Antes do projeto, eu pagava 80 mil pesos colombianos por hectare para o assistente técnico, e hoje em dia é grátis, por meio do projeto, então, tudo isso ajuda”, relata.
O pesquisador da Embrapa José Renato Cortes Bezerra esteve nas terras do Alfredo e verificou os resultados positivos da rotação de culturas. “O monocultivo, exatamente por se tratar de uma única cultura, faz com que a ocorrência de pragas e doenças ocorra com muito mais frequência na área. Quando a gente tem a sucessão ou a rotação de culturas, ou mesmo o consórcio, a gente tem mais de uma cultura, fazendo com que de imediato uma praga que vai atacar uma determinada cultura não consiga atingir a outra. Fazendo com que, ao final, você tenha realmente o resultado mais rentável para ele”, constata.
Essa rentabilidade também depende dos esforços do governo colombiano para resolver algumas questões nacionais. Só existe uma empresa no país atualmente que compra o algodão produzido internamente, portanto, não há concorrência.
Segundo Eduvin Timoté Vargas [foto em destaque na matéria], agricultor da zona rural de Coyaima e líder indígena Pijao, o algodão ainda não tem dado o lucro que eles esperam. “Todos os governos que passaram não valorizaram o nosso trabalho”, se queixou Edvin, após um ritual para estabelecer confiança com a equipe de reportagem. Ele recebeu a TV Brasil com uma cumbuca de ‘guarapo’, uma bebida fermentada à base de rapadura, e com outra de ‘chicha’, feita de milho e mandioca. Em povos indígenas, compartilhar é essencial para abrir o diálogo.
Em resposta à reclamação, em Bogotá, Ruth Ibarra, coordenadora do ministério de Agricultura e desenvolvimento Rural da Colômbia, disse que o governo está buscando ajustes. “Uma grande aposta que tem o governo colombiano é ajudar os produtores na parte de assistência técnica. Fazer todo o acompanhamento, até levá-los ao mercado, onde negociam com os aliados comerciais, os quais vão comprar a matéria-prima a um preço justo, e também dar-lhes valor agregado”, ressalta Ruth Ibarra.
Pesquisa científica
Outra linha de frente do programa de cooperação internacional em busca de um algodão mais sustentável na América Latina é a pesquisa científica. Na Colômbia, por exemplo, a Universidade de Tolima envolveu profissionais como o professor Giovani Andrade Peña, engenheiro agrônomo.
Peña explica que os trabalhos na universidade incluem o desenvolvimento de novos biofertilizantes e o reaproveitamento de subprodutos do cultivo do algodão. Giovani diz que a universidade se une ao esforço de revalorizar o algodão.
“Lamentavelmente, neste momento, o algodão, como tal, a nível mundial, não somente na Colômbia, está atravessando uma crise. Já que temos outros tipos de fibras que o substituem, por exemplo, o poliéster, que é um derivado do petróleo. Então, para as indústrias, é mais atrativo trabalhar com o poliéster, porque o preço é mais baixo”, conclui.
O algodão é uma fibra natural cujo processo de decomposição acontece entre três meses e vinte anos. Por outro lado, as fibras sintéticas podem levar duzentos anos para se decompor.
Há também um trabalho para recuperar as sementes tradicionais do algodão, as chamadas sementes crioulas, e deixar de usar tão amplamente as sementes transgênicas. A ideia é criar um banco de material genético do algodão latino-americano. Quem cuida disso na Colômbia é a Corporação Colombiana de Pesquisa Agropecuária (Agrosavia), o equivalente à Embrapa no Brasil.
Henry Ballesteros é coordenador de inovação regional da Agrosavia em Cereté e a missão profissional dele se mistura a um desejo pessoal. “Sonho em voltar a produzir algodão de novo. Tenho muita esperança. E, se eu fizer, sem dúvida, faria com essas técnicas que estamos aprendendo e desenvolvendo com o Projeto +ALgodão”, destaca. Henry é neto de produtores de algodão e a produção da família dele foi à ruína na época em que se usava muito agrotóxico, o que encareceu a produção e desvalorizou o produto.