Responsável pelos cenários de produções como Your Honor com Bryan Cranston e 9-1-1: Lone Star com Rob Lowe, a diretora de arte ainda compara o mercado audiovisual dos Estados Unidos com o do Brasil.
Com uma carreira consolidada e um olhar atento às novas tendências, Camilla Pizarro descobriu no design de produção o caminho para unir todas as suas paixões: arquitetura e cinema. Hoje, com um portfólio que inclui o longa-metragem Legalize Já – filme que conta a história do Planet Hemp e a amizade entre Marcelo D2 e Skunk – a brasileira vem mostrando sua habilidade em transformar roteiros em cenários memoráveis, como diretora de arte e set designer em grandes produções de Hollywood.
Para quem não está familiarizado com os bastidores do cinema e da TV, Camilla explica que o papel do diretor de arte (ou production designer, como é chamado nos EUA) é criar a identidade visual do projeto. “É definir cenários, escolher objetos de cena, paleta de cores e o estilo visual do filme. Tudo isso é feito em conjunto com o diretor, diretor de fotografia, figurinista e outros departamentos para garantir que a estética esteja alinhada à narrativa”
Responsável por criar ambientes cinematográficos em produções como MasterChef com Gordon Ramsay, Your Honor com Bryan Cranston e 9-1-1: Lone Star com Rob Lowe, Camilla compara o mercado audiovosual dos Estados Unidos ao do Brasil, como mais segmentado. “Aqui, o production designer está no topo da hierarquia e responde diretamente ao diretor. Abaixo dele, há os diretores de arte, que podem ser mais de um, dependendo do tamanho do projeto. Depois, vêm os set designers, responsáveis pelos desenhos técnicos, além das equipes de construção, pintura, props e decoração. Nos projetos brasileiros, principalmente nos menores, a equipe costuma ser mais enxuta e multifuncional,” diz a brasileira que integrou a equipe do departamento de arte, dos renomados production designers Jeff Mossa e Denny Dugally.

De acordo com a designer, o processo de criação de um cenário começa com a leitura detalhada do roteiro e a realização do breakdown, identificando quantos cenários serão necessários para a produção. “Em cada ambiente específico, é essencial compreender seu papel na narrativa: quais cenas ocorrem ali, se o tom é mais dramático ou leve, e sua conexão com os personagens. Além disso, é fundamental alinhar a visão do diretor e do diretor de fotografia para atender às exigências técnicas das filmagens. Caso o projeto exija movimentos amplos de câmera, por exemplo, pode ser necessário ajustar a estrutura do cenário, como remover ou reposicionar paredes. Após essa análise inicial, entram em cena as escolhas estéticas, como o estilo do mobiliário — moderno ou antigo — e a paleta de cores. Tudo isso é apresentado ao diretor e à equipe de fotografia, dando início a um processo colaborativo de refinamento da identidade visual do filme”, completa.
Para chegar onde está, Camilla buscou ingressar na Union, o sindicato das grandes produções de Hollywood. “Foi um processo complexo, mas essencial para entrar no mercado internacional. Consegui através de uma amiga que me indicou para um projeto e, depois de 30 dias de trabalho, pude me tornar membro do sindicato”, explica a diretora de arte que teve seu trabalho reconhecido em dois curtas-metragens Helen e Flying Whispers, que passaram por diversos festivais como o Miami Independent Film Festival e South Film Arts Academy Festival.
Da arquitetura ao cinema
O primeiro contato com o universo da cenografia aconteceu ainda na faculdade de Arquitetura, quando cursou uma matéria eletiva sobre Projeto Cenográfico. “Foi amor à primeira vista”, relembra. O encantamento foi tão forte que, antes mesmo de se formar, começou a trabalhar na Folguedo, uma empresa especializada em exposições e eventos.
No entanto, foi a oportunidade de fazer um projeto em 3D para o diretor de arte do programa Vai Que Cola, Helcio Pugliesi, que abriu as portas para o audiovisual. “Ele me chamou para um filme chinês que estava gravando algumas cenas no Brasil, Line Walker, e, a partir daí, fui mergulhando cada vez mais nesse universo.”
A primeira experiência em um longa-metragem completo veio com Legalize Já. “Foi um projeto incrível, onde aprendi muito”, conta. Depois, vieram trabalhos como Casseta & Planeta e O Paciente, sobre Tancredo Neves, em que trabalhou ao lado do renomado diretor Sérgio Rezende e do diretor de arte Marcos Flaksman.

Criatividade além do orçamento
Independentemente do tamanho da produção, Camilla acredita que a criatividade é a ferramenta mais poderosa na construção de cenários. “Os designers que eu admiro, como Rick Carter, Guy Hendrix Dyas, Sarah Greenwood e Nathan Crowley, são mestres em criar mundos imersivos. Seja em um filme com orçamento milionário ou em um projeto mais modesto, o desafio é sempre encontrar soluções criativas para dar vida à história.”
Ela cita como exemplo o filme The Brutalist, que utilizou maquetes detalhadas para representar prédios inteiros, e Wicked, em que o designer optou por plantar tulipas reais para evitar o uso excessivo de computação gráfica. “Cada projeto exige uma abordagem diferente, e essa busca por novas soluções me inspira todos os dias.”
Sonhos e referências
Entre os cenários que mais a impactaram, Camilla destaca Metrópolis (1927), um clássico da ficção científica. “Eles usaram miniaturas, maquetes, perspectiva forçada e pinturas para criar cidades futuristas de forma revolucionária para a época.” Já entre as produções recentes, ela se encantou com Poor Things, que explorou cenários surrealistas e exóticos. “Adoraria trabalhar em um filme assim, que foge da realidade e permite criar mundos imaginários do zero,” almeja.