Arquitetura e Urbanismo se reinventam no Brasil nos últimos 5 anos



Nos últimos cinco anos, a arquitetura e o urbanismo passaram por transformações profundas no Brasil, impulsionadas por mudanças globais e demandas locais. Da urgência climática às lições deixadas pela pandemia de Covid-19, passando por novas tecnologias e pelo persistente déficit habitacional, o setor se reinventou para responder a desafios contemporâneos. Especialistas apontam que sustentabilidade, inclusão social e inovação tecnológica deixaram de ser temas periféricos e passaram a ocupar posição central no planejamento urbano e nos projetos arquitetônicos atuais.

 

Cidades mais sustentáveis e a crise climática


A pauta da sustentabilidade ganhou protagonismo inédito. A Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo de 2025 refletiu essa preocupação. Para Renato Anelli, curador do evento, é preciso “um esforço gigantesco para reverter os efeitos da industrialização e criar uma nova cidade capaz de conviver com as águas e incentivar a biodiversidade”.

Com a Conferência da ONU sobre o Clima (COP30), marcada para novembro em Belém, arquitetos brasileiros discutem como tornar as cidades mais resilientes a enchentes, ondas de calor e outros eventos extremos. A adaptação climática deixou de ser tendência e passou a integrar de forma definitiva o ofício.

O Brasil já se destaca no cenário global: são mais de 1.500 edificações sustentáveis no país (641 certificadas), colocando o país na 5ª posição mundial. Há cinco anos, esses números eram bem menores, indicando a rápida adoção de práticas ecológicas na construção civil.

“Housing, mobilidade, mudanças climáticas e inclusão” tornaram-se debates essenciais dentro do conselho profissional (CAU/BR), observa Patrícia Sarquis Herden, presidente do órgão, reforçando o novo foco da arquitetura brasileira em qualidade de vida e preservação ambiental.

 

Espaços urbanos pós-pandemia

 

A pandemia de Covid-19 também provocou mudanças significativas na forma de viver e planejar as cidades. Pesquisas acadêmicas confirmam impactos expressivos, tanto nos modos de vida quanto no uso dos espaços domésticos e públicos. “Os impactos da pandemia nas cidades foram expressivos, seja pela mudança de modos de vida e, consequentemente, no uso e convívio nos ambientes domésticos, seja pela não utilização dos espaços públicos e abertos”, aponta estudo coordenado pela UFRJ sobre transformações urbanas pós-2020.

Com mais pessoas trabalhando em casa e evitando aglomerações, cresce a valorização de moradias com áreas abertas, boa ventilação e acesso a espaços verdes. Ao mesmo tempo, as cidades brasileiras registraram um salto na mobilidade ativa: só no último ano, as capitais implementaram 280 km de novas ciclovias, alcançando 4.106 km de malha cicloviária em 2024, impulsionadas pelo aumento no uso de bicicletas durante e após o confinamento.

Ruas vazias no pico da pandemia abriram espaço para parklets, calçadões temporários e ciclovias experimentais, intervenções de “urbanismo tático” que algumas prefeituras agora incorporam de forma permanente. No design de escritórios e espaços comerciais, a flexibilidade tornou-se palavra-chave: projetos recentes incluem ambientes adaptáveis ao trabalho híbrido e maior preocupação com saúde pública, como distanciamento e circulação de ar, tendências quase inexistentes antes de 2020.

 

Desafios habitacionais e inclusão social


Paralelamente, o Brasil enfrenta um antigo problema sob nova ótica: a carência de habitações adequadas. Levantamentos do CAU/BR e do Datafolha mostram leve melhora nos últimos anos: em 2015, 85% das obras residenciais eram feitas sem arquiteto ou engenheiro; hoje, o índice caiu para 82%. Embora ainda alarmante, a queda revela um início de mudança. A autoconstrução informal segue predominante, especialmente nas periferias, resultando em moradias precárias.

“Os números são preocupantes para a segurança e a saúde da população”, afirma Nadia Somekh, presidente do CAU Brasil, citando riscos de desabamentos e insalubridade. Tragédias recentes, como o desabamento de prédios na Muzema (RJ) e as enchentes em Pernambuco, reforçam o peso social da negligência urbana.

Somekh ressalta que o problema habitacional “não se resume apenas à construção de novas moradias, o país precisa de uma solução de escala para a melhoria das habitações já existentes”, sobretudo em favelas e loteamentos populares. Nesse contexto, ganha força a defesa da assistência técnica pública para habitação de interesse social (prevista em lei desde 2008), que busca levar arquitetos às comunidades de baixa renda.

A pauta da inclusão também se ampliou. Temas como direito à cidade para populações LGBTQIA+ e justiça ambiental para povos indígenas passaram a integrar debates do urbanismo brasileiro. Projetos comunitários, participação dos moradores no planejamento e o resgate de saberes tradicionais, de quilombolas e povos originários, tornaram-se parte das soluções urbanas, evidenciando uma abordagem mais plural e humanizada.

 

Tecnologia e novas práticas profissionais

 

Paralelamente a essas transformações, a prática profissional também mudou. A revolução digital impactou tanto o canteiro de obras quanto os escritórios de arquitetura. Nos últimos anos, houve “uma aceleração na adoção e integração de tecnologias orientadas por dados, como Inteligência Artificial (IA) e aprendizado de máquina” no processo de concepção.

Ferramentas de BIM (Building Information Modeling) se consolidaram nos escritórios brasileiros, permitindo coordenação de projetos em 3D de forma colaborativa, algo que, cinco anos atrás, ainda engatinhava. Hoje, já se fala em algoritmos otimizando traçados urbanos e em IA auxiliando desde a criação de plantas até a gestão de obras. Embora alguns profissionais temessem perder o controle criativo, muitos têm utilizado essas tecnologias para aumentar a precisão e produtividade.

O mercado de trabalho também passou por renovação. De 2018 para cá, milhares de novos arquitetos ingressaram na profissão, muitos abrindo seus próprios escritórios. Em 2018, por exemplo, 35% das empresas de arquitetura ativas haviam sido fundadas nos cinco anos anteriores, evidenciando renovação geracional. A presença feminina cresceu e hoje as mulheres já são maioria no conselho profissional, mais de 60% dos arquitetos registrados, com predominância entre os profissionais mais jovens.

Além disso, áreas antes consideradas nichos, como acessibilidade, restauro, mobilidade urbana e sustentabilidade, ganharam força e se tornaram campos de atuação em alta, acompanhando as demandas sociais. Em 2018, projetos de acessibilidade cresceram 18% e os ligados ao meio ambiente, 14%, acima da média do setor, tendência que se mantém.

Esse movimento revela um campo profissional mais diversificado e comprometido com soluções completas: do desenho universal para pessoas com deficiência à consultoria em eficiência energética, o arquiteto de 2025 vai muito além do “desenhista de prédios” e assume o papel de planejador interdisciplinar.

 

Uma fase de reinvenção

 

Eduardo Moreira Lopes, arquiteto e urbanista formado pela Universidade Brás Cubas (UBC) de Mogi das Cruzes (SP) e reconhecido especialista na área, sintetiza esse momento ao afirmar que a arquitetura brasileira vive uma fase de reinvenção. “Em cinco anos, vimos as prioridades mudarem: sustentabilidade e inclusão social deixaram de ser pautas secundárias para se tornar parte integrante de praticamente todo projeto”, avalia.

Ele destaca que, tanto nas grandes metrópoles quanto no interior, cresce a percepção de que construir não é apenas erguer prédios esteticamente agradáveis, mas transformar positivamente a vida das pessoas e o ambiente. Para Lopes, os próximos anos tendem a aprofundar essa guinada: cidades mais verdes, justas e inteligentes deixaram de ser utopia futurista e se tornaram objetivo concreto de uma nova geração de arquitetos e urbanistas brasileiros.

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