A EVOLUÇÃO DAS TÉCNICAS DE INVESTIGAÇÃO PENAL NA AMÉRICA LATINA: REFLEXÕES DE UMA OPERADORA DE JUSTIÇA COLOMBIANA

Mabel Sánchez Toloza, convidada especial


Nos últimos anos, a América Latina tem presenciado uma transformação silenciosa em seus sistemas de investigação penal, e essa mudança, ainda que nem sempre visível ao público, altera profundamente a forma como as instituições enfrentam delitos complexos, protegem as vítimas e estruturam processos capazes de resistir ao escrutínio judicial, realidade que acompanhei de perto durante mais de duas décadas de atuação como promotora e juíza na Colômbia, onde trabalhei em regiões marcadas por organizações criminosas, vulnerabilidades sociais e desafios históricos na consolidação da confiança pública.

Uma das transformações mais significativas está no fortalecimento técnico das equipes responsáveis pela investigação, processo do qual tive a oportunidade de participar por meio de formações como o Curso Básico de Fiscais, o Curso Intensivo de Polícia Judicial desenvolvido com organismos internacionais e capacitações específicas em áreas como automotores, gestão documental, sistemas especializados como SIJUF e SPOA, além de treinamentos práticos em unidades militares, nos quais passei um dia exercendo funções de soldado para compreender a lógica operacional das unidades que atuam em campo, experiência que ampliou minha percepção sobre como as decisões tomadas no terreno influenciam diretamente as etapas posteriores da justiça.

Esses avanços demonstram que a investigação moderna exige não só domínio jurídico, mas a capacidade de compreender fluxos operacionais, tecnologias de rastreamento, análise de dados, acompanhamento de pessoas, objetos e dinâmicas territoriais que moldam a criminalidade contemporânea, e essa compreensão torna-se ainda mais relevante quando se trata de delitos de alto impacto, como homicídios, tráfico de drogas, violência intrafamiliar, abandono de assistência alimentar, rebelião, furtos, estelionatos massivos, instrumentalização de menores para atividades criminosas e extorsões, entre outros, áreas em que atuei diretamente ao lado da SIJIN e da DIJIN em articulação com a SIPOL e a INTERPOL da Polícia Nacional, assim como o CTI da Promotoria, o Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar (ICBF) e Comissarias de Família colombianas, participando de operações que dependiam de coordenação interinstitucional para assegurar Elementos Materiais de Prova (EMP) e Evidências Físicas (EF) válidas para o esclarecimento dos fatos e para identificar os responsáveis, além de garantir os direitos das vítimas, assegurando justiça, verdade e reparação.

Outro avanço relevante está na crescente atenção à proteção das pessoas vítimas no processo penal, especialmente crianças, adolescentes e mulheres, e minha experiência coordenando mesas de trabalho e unificando critérios jurídicos e jurisprudenciais com grupos de fiscais e equipes psicossociais em diferentes departamentos colombianos demonstra que a humanização das investigações não é um ideal abstrato, e sim uma exigência prática, pois declarações e evidências obtidas de maneira inadequada podem comprometer tanto o desenvolvimento do caso quanto os direitos fundamentais das vítimas. Por esse motivo, interpretamos protocolos de entrevista baseados em modelos internacionais que hoje servem como referência interna para abordagens sensíveis e seguras, além da aplicação da Lei 1098 de 2006 quanto à responsabilização penal de crianças e adolescentes envolvidos em delitos de alto impacto social, como abuso sexual, furtos, violência intrafamiliar e lesões pessoais, entre outros. A implementação dessa lei resultou em medidas de internação preventiva em centros semifechados e em sanções que se converteram em sentenças, além do restabelecimento dos direitos das vítimas por meio de equipes interdisciplinares do Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar (ICBF), apoiando registros pedagógicos em instituições escolares para a responsabilização de adolescentes portadores de substâncias ilícitas.

O trabalho articulado entre instituições também passou a ocupar posição central, porque investigações complexas raramente dependem de uma única entidade, sendo fruto da interação entre fiscais, policiais judiciais, policiais de vigilância, prefeitos, comissarias de família, defensores de família, unidades técnicas, peritos forenses, laboratoriais, balísticos, documentólogos, grafólogos, PIPH, psicólogos e assistentes sociais. Nesse mesmo contexto, trabalhei de maneira integrada com os escritórios de migração colombianos para obter a plena identificação de estrangeiros detidos por crimes cometidos no país e que deveriam ser judicializados, fortalecendo a verificação documental e a rastreabilidade de informações essenciais ao avanço das investigações. Ao longo dos anos, observei que o êxito de uma operação muitas vezes está menos relacionado com a quantidade de recursos disponíveis e mais com o conhecimento, a experiência e a qualidade da informação coletada, a padronização de procedimentos, a coordenação, a unificação de critérios jurídicos e a criação de uma cultura de confiança que permita a cada servidor público desempenhar suas funções com profissionalismo, ética, responsabilidade e compromisso institucional.

Ao observar o movimento que se desenvolve no continente, percebo que a modernização das investigações penais na América Latina não depende exclusivamente de reformas legais, e sim de capacitações contínuas, padronização de protocolos, fortalecimento da gestão documental e integração entre os atores do sistema de justiça, elementos que se complementam e contribuem para reduzir erros, acelerar análises e garantir que as decisões judiciais se sustentem em evidências consistentes e em procedimentos transparentes ajustados à legislação vigente de cada país.

O que se projeta para os próximos anos é um modelo de investigação cada vez mais robusto, apoiado em tecnologia, fundamentado em metodologias internacionais e sensível às necessidades das vítimas, e considero que compartilhar essas experiências com leitores de diferentes países amplia a compreensão sobre como os sistemas latino-americanos têm buscado caminhos próprios para enfrentar desafios estruturais, aprendendo com seus acertos e limitações para construir práticas mais sólidas, humanas e eficazes.

 

Texto criado por Andre Luis
Supervisão jornalística aprovada por Nathalia Pimenta

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