Na porta da UPA, chega uma mãe em aflição. O filho teve nova recaída. Para o médico de família Lucas Pedroza Daniel — diretor clínico da UPA Quietude (Praia Grande/SP), com passagem pelo SAMU Santos e anos de Estratégia Saúde da Família (ESF) — a cena é conhecida. “A crise pede resposta imediata, mas a recuperação começa em casa”. É daí que nasce seu princípio de trabalho: a família não é coadjuvante, é parte do tratamento.
O método de Lucas
A trajetória de Lucas combina três frentes que dialogam entre si: urgência, pré-hospitalar e atenção primária. No plantão, ele organiza fluxos para não perder tempo. No SAMU, aprendeu a pensar a rede. Na ESF, estruturou cuidado continuado. O resultado é um jeito de trabalhar que transforma cada episódio agudo numa oportunidade de educação, protocolo e acompanhamento.
Em 2025, por exemplo, coordenou a implantação de um Protocolo de Intoxicação por Metanol na UPA. Não é um tema idêntico à dependência química, mas revela seu modo de operar: pegar problemas complexos e convertê-los em passos claros, treináveis e replicáveis. O mesmo raciocínio ele aplica aos casos de álcool e outras drogas — inclusive na fronteira crítica do fentanil.
Por que a família é “antídoto”
Segundo Lucas, há três razões práticas: primeiramente quem convive com o dependente vê sinais cedo, ajuda a manter consultas, medicações e retornos, resultando em maior adesão como consequência; em segundo lugar, rotinas e combinados domésticos reduzem gatilhos e “zonas de risco”; e, por fim, quando a casa aprende a reforçar o que dá certo (e não só a punir o que dá errado), a recaída vira ajuste de plano, não motivo de desistência.
Tradução clínica: família informada + comunicação clara + pactos de segurança = mais chances de continuidade do cuidado.
Como Lucas trabalha com famílias (na prática)
1) Psicoeducação objetiva: em linguagem simples, ele explica o que é a doença, o que esperar do tratamento e como agir em crise (especialmente em opioides).
2) Pactos de segurança: Combina com a família um plano de emergência (para quem ligar, para onde ir, sinais de alerta), organização de medicações e monitoramento de sintomas.
3) Rotina que sustenta progresso: Estabelece metas pequenas e mensuráveis: sono, alimentação, consultas marcadas, grupos de apoio — e reforço positivo sempre que a pessoa avança.
4) Registro e devolutiva: Tudo vira registro: o que funcionou, o que não funcionou, próximos passos. Isso alimenta protocolos, educação permanente da equipe e melhoria contínua.
Fentanil mudou o jogo — e a resposta da família também
Com opioides sintéticos mais potentes em circulação, Lucas orienta planos familiares muito claros: reconhecer sinais de overdose, buscar atendimento imediato, compreender orientações de redução de danos e não enfrentar a situação sozinho. Na rede, sua ênfase é combinar tratamento medicamentoso quando indicado com acompanhamento de perto pela APS, para que a pessoa não se perca entre alta e retorno.
Quando acionar a UPA e quando procurar a APS
- UPA/SAMU: sinais de intoxicação aguda, risco de overdose, agitação grave, ideação suicida, desidratação importante.
- APS/serviço de referência: acompanhamento regular, manejo de medicações de manutenção quando indicado, psicoterapia e trabalho com a família.
Para Lucas Pedroza Daniel, a Medicina de Família é o elo entre a urgência e a prevenção. Na dependência química, isso significa tratar a pessoa e treinar a casa. A UPA atende a crise, o SAMU salva o minuto, a APS acompanha a história — e a família, quando preparada, faz a ponte diária que nenhuma consulta de 20 minutos consegue fazer sozinha.
Sobre o médico
Lucas Pedroza Daniel — médico de família e comunidade, diretor clínico da UPA Quietude (desde 08/2022), experiência em SAMU Santos (2020–2021) e ESF São Vicente (2018–2023). Orientador de IC (PIVIC/FABRANI, 2024–2025) em projetos de Inteligência Artificial aplicados à clínica. Pós-graduado em MFC (UFCSPA), revalidação UNESP (2017), CRM-SP 198025, membro da SBMFC.