Educação Fiscal e Compliance: especialista analisa o que o Brasil já realiza de forma eficaz — e como implementar nos EUA para reduzir o tax gap



Estabelecer cooperação tributária não é apenas um desafio operacional; é um projeto de confiança. Para o auditor fiscal e pesquisador Ismael Andrade Santos, essa confiança depende de uma tríade coerente: tratar a Educação Fiscal como serviço público contínuo, ancorar decisões em evidências verificáveis e calibrar a fiscalização com base em risco e impacto. Quando esses três elementos convergem, a relação entre Estado e contribuinte deixa de ser predominantemente punitiva e passa a ser orientada para compliance voluntário e previsível.

No modelo proposto por Ismael, a Educação Fiscal deixa de ser campanha episódica e assume o estatuto de serviço estruturado. Isso implica oferecer orientação, informação e ferramentas acessíveis para que o contribuinte consiga cumprir suas obrigações com o menor atrito possível — passo a passo, com linguagem clara e exemplos concretos. Em paralelo, as ações de cobrança e fiscalização são sustentadas por evidências que possam ser auditadas por terceiros (dados, critérios, trilha de cálculo) e por uma priorização explícita de comportamentos e segmentos com maior potencial de dano fiscal. “Quando o contribuinte entende cada etapa do processo — o que fazer, por que e em que ordem — e consegue concluir tudo, a adesão voluntária aumenta. Não por medo, mas porque é racional”, sintetiza o auditor.


Educação Fiscal como serviço e política de transparência

Educação Fiscal, para Ismael, deixa de ser campanha dispersa e passa a ser um serviço estruturado ao longo da jornada do contribuinte: portais integrados, linguagem clara, manuais por tarefa e canais de suporte reduzem atrito, custo de conformidade e dependência de intermediários, especialmente para pequenos negócios e renda mais baixa. Essa lógica se articula com transparência robusta: o Estado mostra o ciclo completo do dinheiro público — quanto arrecada, onde aplica, que resultados entrega e com que custo — por meio de relatórios comparáveis e indicadores de desempenho. No eixo da fiscalização, o foco sai da contagem de autuações e migra para o risco fiscal agregado, priorizando cadeias, estruturas e comportamentos com maior potencial de dano, com critérios explícitos e caminhos claros para autorregularização. Programas de conformidade cooperativa, orientação técnica e sanções previsíveis criam um ambiente em que quem quer se ajustar encontra apoio e quem insiste em práticas lesivas enfrenta respostas consistentes. O efeito esperado é um sistema mais eficiente, com menos litígios de baixo impacto e mais aprendizado mútuo: o Estado concentra esforços onde importa e o contribuinte passa a enxergar a fiscalização como parte de um arranjo que recompensa o comportamento cooperativo.

Por onde começar no contexto norte-americano?

Para operacionalizar essa lógica no contexto dos Estados Unidos, Ismael propõe um ponto de partida pragmático: usar os próprios dados da Internal Revenue Service (IRS) para mapear onde a jornada do contribuinte falha. Isso inclui identificar em quais etapas as pessoas mais erram, desistem ou buscam ajuda externa, e redesenhar esses momentos a partir de princípios de clareza, acessibilidade e redução de barreiras.

As projeções mais recentes do IRS indicam que o tax gap bruto projetado para o ano-fiscal de 2022 foi de aproximadamente US$ 696 bilhões, dos quais cerca de US$ 539 bilhões decorrem de sub-relato de renda em declarações entregues no prazo. Esses números sugerem que boa parte do problema está menos na ausência de fiscalização e mais na forma como o sistema é compreendido, declarado e operacionalizado pelos próprios contribuintes e intermediários. Sem ajustes inteligentes — que combinem serviço, transparência e gestão de risco — o sistema tende a permanecer caro, imprevisível e dependente de auditorias posteriores complexas.

Ismael também chama atenção para armadilhas recorrentes. Nos Estados Unidos, reformas fiscais muitas vezes se limitam ao discurso de modernização, com digitalização de formulários e novos sistemas, sem alterar a lógica de funcionamento nem a experiência concreta de quem precisa cumprir as regras. Nesses casos, o resultado é frustrante: o sistema parece mais moderno, mas segue difícil de entender, e o incentivo à conformidade continua baixo.

Mudança de agenda na prática

Em termos de política pública, a proposta sintetizada por Ismael Andrade representa uma mudança de cultura: da retórica de temor para uma infraestrutura de confiança. O governo passa a ter o dever de explicar e atender de forma contínua; o contribuinte passa a contar com um passo a passo claro, canais de correção de erros e acesso simétrico às informações relevantes. Com as mesmas informações dos dois lados, a cooperação deixa de depender exclusivamente de sanções e passa a ser também uma escolha racional: é mais simples e menos custoso cumprir do que resistir.

Para a realidade norte-americana, a adaptação desse modelo significa combinar três pilares — serviço simples, prova do que foi feito e fiscalização guiada por risco — como base para uma agenda de redução do tax gap. O ganho potencial não é apenas arrecadatório, mas institucional: menos atrito, mais adesão voluntária e uma relação mais madura entre Estado e contribuinte, ancorada em confiança, transparência e responsabilidade compartilhada.

 

(*) Ismael Andrade Santos é auditor fiscal mestre em Linguística pela UERJ e especialista em comunicação pública e Educação Fiscal.

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