Marcelo Henrique
Poucos brasileiros conquistaram o prestígio e o reconhecimento internacional que a médica e professora Angelita Habr Gama, nossa protagonista de hoje, atingiu ao longo dos seus 89 anos já muito bem vividos e, espero, com muitos ainda a viver. Nascida na Ilha do Marajó, a menina do Norte cruzou o Brasil para realizar o sonho de estudar Medicina. Um sonho aparentemente ousado, se analisado em gênero. Absolutamente trivial se visto sob o prisma da genial Angelita.
Aluna destaque desde o primeiro ano, Angelita fez das dependências da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo uma extensão de seu lar. Por lá conheceu o grande amor de sua vida na pessoa do seu primeiro namorado e marido (até hoje), o também médico Joaquim Gama. Por lá, também, lecionou por anos a fio, de onde se aposentou como catedrática, fundadora da cadeira de Proctologia. E de seu gabinete e laboratórios escreveu dezenas de artigos, pesquisas e protocolos científicos que ajudaram a redesenhar a abordagem de sua área na Medicina em todo mundo. Aliás, o Protocolo Angelita Gama de profilaxia do câncer retal é aplicado pelos maiores cirurgiões do planeta, com as devidas reverências à autora brasileira. Essa pesquisa, publicada como watch and wait, rendeu-lhe o prêmio de melhor estudo do ano de 2013 pela American Society of Colon e Rectal Surgeons.
Angelita venceu todos os obstáculos impostos pelos preconceitos regionais, nacionais e internacionais. Uma cientista de sucesso – segundo a Universidade de Stanford entre os cem pesquisadores mais influentes do mundo – dentro de uma pessoa muito mais incrível do que a médica capacitada que todos conhecem. Digo porque quando tive a honra de conhecê-la, o que mais saltou aos olhos foi o ser humano ímpar que existia por trás de tantos diplomas e titulações. Uma daquelas raras e poucas pessoas que conjugam elegância com simplicidade, em perfeita satisfação do lema árcade aurea mediocratis. E desde aquele dia, há muito tempo, tenho guardado e cultivado essa amizade que não apenas me acolheu e me tratou, mas também muito ensinou sobre a academia e, em especial, sobre a vida.
Uma das primeiras infectadas pela Covid-19, ficou 47 em coma induzida na UTI no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, casa em que trabalha desde 1970. Com os pulmões muito lesados, a decisão final sobre a temida intubação veio dela própria, em mais uma demonstração de capacidade técnica e profissionalismo, até mesmo em momento tão crítico. Recuperada, Angelita segue atendendo pacientes, participando de eventos acadêmicos e já está preenchendo sua agenda de palestras online.
A todos nós, fica a lição de uma mulher vencedora. Das dificuldades pessoais até a Covid-19, Angelita é um dos maiores exemplos que conheço de luta, persistência e vitória ética e honesta. Um verdadeiro modelo a ser seguido dentro e fora do consultório.