O outro lado do balcão

Balcão


 

Marcelo Henrique

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Um dos melhores exercícios de humanidade que se pode ter é despir-se de si e colocar-se no lugar do outro. Apenas dessa maneira temos a real dimensão do que experimentam as pessoas que estão em outros lugares diversos dos nossos, principalmente em estado de dependência, submissão ou agressão. Um grande amigo meu – advogado criminalista e ativista racial –, ao narrar as agruras inerentes ao preconceito pela cor de pele, costuma sempre fazer um inusitado convite para que me caracterizasse, tornando-me artificialmente um homem preto para experimentar como seria o tratamento a mim dispensado, exatamente nos mesmos locais que tenho por hábito frequentar. Experiência semelhante fazem os médicos quando se veem pacientes.

E é exatamente isso que está acontecendo com os manifestantes que foram retirados do Quartel-General do Exército, em Brasília e alojados em um ginásio de esportes na capital federal. Donos de uma pauta sempre contrária aos Direitos Humanos, regida pelo jargão da extrema-direita “bandido bom é bandido morto”, experimentam agora as dificuldades e reivindicações cotidianas dos envolvidos no sistema de justiça criminal e seus respectivos familiares. Esse talvez seja o maior dos exemplos contemporâneos de que os direitos e garantias individuais conquistados a duras penas e consagrados na Carta de 1988 são para todos. Como diria Hanna Arendt, “direito a ter direitos”.

Qualquer tipo de revanchismo deve ser coibido. O Estado não pode ser palco para vinganças privadas, diminuindo seu papel institucional. A legalidade impõe que todos os Direitos Humanos sejam respeitados, de forma intransigente, para todos os brasileiros e estrangeiros, nos termos da Constituição da República e tratados assinados pelo Brasil. Por isso, defendo que o direito de todos seja integralmente observado, mas que, também, a isonomia seja respeitada. Reclamações como a impossibilidade de utilizar o telefone celular, portanto, são absolutamente inconcebíveis, haja vista estarem todos esses indivíduos em situação de custódia estatal, até que recebem suas respectivas notas de culpa (instrumento em que é informada a infração que estão sendo acusados de cometer), a qual será a base de suas defesas.

Dessa forma, “estar do outro lado do balcão” é o melhor remédio àqueles que defendem a condenação diante da dúvida, a prisão após segunda instância, a convicção com valor superior à prova, dentre vários outros desmandos que andaram acontecendo. Direitos Humanos são para todos e o Devido Processo Legal é uma garantia que merece o mais alto respeito em qualquer Estado Democrático de Direito.

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