Marcelo Henrique
O caminho dos sonhos da grande maioria dos jovens brasileiros até pouco tempo atrás passava pelo estudo intenso nos últimos anos do ensino médio, tendo em vista a aprovação no temido concurso vestibular, que era o único passaporte para ingresso nas melhores universidades. Aprovados, o caminho era conseguir um bom estágio que pudesse no pós-colação de grau admitir o trainee para que iniciasse sua carreira naquela empresa. Já efetivado (era a palavra usávamos), o próximo passo era conquistar a casa própria, um carro e esperar a extensão do sucesso para o lado pessoal também. Um plano aparentemente simples, mas que tomava a metade da vida dos jovens da população economicamente ativa do país. Esse foi praticamente um modelo geracional, o qual guiou a vida dos brasileiros por muito tempo.
Os tempos mudaram. A Economia deu passos tão largos e, sobretudo, tão inimagináveis a ponto de ultrapassar a previsão de qualquer filme de ficção científica. Empreendedorismo, empresariado e capital se revolucionaram de tal modo que experimentam uma reinvenção diária, criando cenários aparentemente comuns nos tempos de hoje, os quais seriam reputados impossíveis há pouco tempo. Nesse sentido, é imperioso mencionar as grandes empresas que não são mais proprietárias dos seus objetos comerciais. A maior companhia de gestão imobiliária do mundo não possui sequer um imóvel próprio para locação. Na mesma linha, a maior empresa do setor de transportes de pessoas e produtos não dispõe de carros destinados a essa finalidade. O mercado ensinou que gerir a propriedade alheia significa obter grandes lucros, transferindo a outrem o risco e o desgaste dos bens de produção, ou prestação de serviço.
Com a pandemia do novo coronavírus, programadores de todo o mundo buscaram soluções de informática para individualizar as pessoas e tornar real e factível o tão discutido home-office. E conseguiram. Indubitavelmente, a concentração de alguns departamentos das empresas nas mãos de funcionários que tenham condições de trabalhar em casa, ou nas suas próprias estações, representou um outro salto, vantajoso para empregado e empregador. Tudo isso com um adicional de ao obreiro transferir despesas com energia, internet, entre outras. Se há pouco tempo o mercado tinha no prédio o respaldo e até mesmo um elemento de credibilidade para uma grande empresa, hoje o faz pela segurança e qualidade do servidor.
Justamente por tudo isso que nestes tempos contemporâneos aqueles sonhos, dentro da timeline que descrevi no início do texto já tomam contornos bastante diferentes. A casa própria – antes passo inquestionável para o sucesso – já perdeu bastante do seu poder de persuasão –. Na mesma linha, o carrão na garagem vem sendo substituído pelos aplicativos, que não geram despesas recorrentes e estão sempre à disposição, com direito a motorista. As pessoas de hoje, inegavelmente mais líquidas e desapegadas a tradições materiais duráveis, encontram eco muito mais na transitoriedade gerada pela facilidade de substituição do que naquelas velhas conquistas em forma de escada, as quais, aliás, tornaram possível a existência desse mundo como o conhecemos. De qualquer forma, os tempos são outros também na Economia e cabe a todos nós tentarmos, cada um à sua maneira, adaptarmo-nos da melhor forma possível.