Marcelo Henrique
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O artista brasileiro Seu Jorge compareceu hoje a um dos cartórios paulistanos, tendo como objetivo o registro de seu quarto filho, nascido hoje, dia 23 de janeiro de 2023. Após vencer as burocracias iniciais, surpreendeu-se com a negativa do oficial em efetuar o ato diante da alcunha escolhida para o jovem brasileiro. Tal como já bastante anunciado nas redes sociais, desde o conhecimento da gestação, a pretensão era que o menino se chamasse Samba. Como fundamento da recusa, o registrador evocou o art. 55 da Lei Federal n. 6.015, de 1973, a lei que regulamenta os registros públicos no país. Em apertada síntese, reza o dispositivo que o Estado deve impedir o registro de prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Inconformado, o artista recorreu à Justiça.
Em que pese aparentemente escorado na legislação, ato do oficial registrador traz à tona uma discussão importantíssima que precisamos ter sobre a mídia e o Estado. Com autoridades cada vez mais “instagramáveis”, o Estado Brasileiro está vendo sua efetiva constituição esvaziar-se a olhos vistos, diante da submissão aos lilkes e hates que o público distribui de forma frívola e, sobretudo, efêmera. Características opostas às respostas estatais, as quais tem na apresentação perene uma de suas maiores características. Tudo isso de forma a repensarmos o Princípio da Impessoalidade, incrustrado nos versos do art. 37 da Constituição Federal de 1988. Por ele, o intraneus – nome técnico que se dá ao funcionário público – não pode aflorar sua personalidade à frente da máquina pública. Seus atos refletem a personificação do mecanismo republicano que o abriga, sobrepondo-se ao punho que lhe conduz.
Quando um juiz julga, por exemplo, ele o faz em nome do Estado. Há juristas, inclusive, que usam – apropriadamente – a expressão Estado-juiz, representando-se a chamada investidura do magistrado na função jurisdicional, sendo a personificação do mesmo quanto às demandas sob sua apreciação. Diferente do Brasil, os juízes da Suprema Corte são pouco conhecidos do grande público, passando despercebidos nas ruas com facilidade. Por aqui, ao contrário, magistrados do STF precisam de muita segurança para frequentar as ruas e correm reais riscos de serem feridos, ou algo do gênero, haja vista os tristes incidentes do dia 8 de janeiro. Um dos nossos ministros, inclusive, no exterior em volta para o Brasil, foi alvo gritos e palavras de ordem durante o embarque. E tudo isso se deve a falta de limite e respeito das pessoas que veem em um aparelho celular o púlpito para todas as suas reinvindicações, sem conseguir compreender que direito de expressão não é permissividade para agredir.
No caso do Samba, foi o Estado que lhe negou registro, em sede administrativa. Agora levado à esfera Judicial, o mesmo Estado irá reanalisar sua decisão, em todas as instâncias do Poder Judiciário, assegurando aos pais o devido processo legal. Não se trata de uma enquete, nem a população está convidada para o debate. Trata-se de uma pretensão inicialmente resistida que será analisada por quem a legislação assim o definiu. Apenas assim, respeitando as instituições, teremos o país que tanto sonhamos.