Urgência e emergência: o dever de cobertura integral dos planos de saúde após 24 horas da contratação

Direito à Saúde


Marcelo Henrique de Carvalho

No intrincado universo do Direito à Saúde, que se inscreve com fulgor entre os direitos fundamentais assegurados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, uma questão se impõe com notável acuidade: a inarredável obrigação dos planos de saúde em garantir atendimento em situações de urgência e emergência no prazo máximo de 24 horas após a contratação do serviço. Essa temática, que perpassa as esferas jurídica, ética e social, exige uma análise detida, sobretudo à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e do dever de proteção à vida e à integridade física dos indivíduos, corolários inafastáveis do Estado Democrático de Direito. Um direito aparentemente cristalino, mas ainda recorrente nas portas das bancas de advocacia, na inquieta busca do socorro do Direito e do Poder Judiciário em momento cuja energia deveria estar apenas canalizada para o tratamento e recuperação.

Urge, preliminarmente, compreender o exato significado das expressões “urgência” e “emergência” no contexto normativo e doutrinário, bem como a robusta construção jurisprudencial que se consolidou em defesa dos consumidores diante das nefastas práticas de algumas operadoras de saúde, cujas negativas de atendimento, travestidas de formalismos contratuais, afrontam valores caros ao nosso ordenamento jurídico.

A emergência, na seara médica, configura-se como a situação imprevista em que há risco iminente de morte ou sofrimento agudo, demandando intervenção médica imediata, enquanto a urgência refere-se a eventos que, embora não coloquem a vida em risco iminente, exigem pronta assistência para evitar agravamentos graves, inclusive em casos de acidentes pessoais e complicações gestacionais. Ambas, todavia, têm em comum a inexorável preponderância do tempo: a ação célere é conditio sine qua non para a preservação da vida e da saúde, bens jurídicos tutelados com primazia pela Constituição e pela legislação infraconstitucional. A Lei Federal n. 9.656/98, que regula os planos e seguros privados de assistência à saúde, estabelece, de forma clara, que após o lapso de 24 horas da contratação, é vedado às operadoras recusar atendimento em tais hipóteses, sendo essa garantia reforçada pelas normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, que reconhece a hipossuficiência do usuário e assegura-lhe a proteção contra práticas abusivas.

O Judiciário, cônscio de sua função contramajoritária e garantista, tem reiteradamente repudiado a conduta de empresas que, alegando carências contratuais ou outras cláusulas restritivas, recusam-se a prestar atendimento em situações críticas. A jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça é cristalina ao afirmar que a recusa em cobrir procedimentos de urgência e emergência após as 24 horas iniciais configura ato ilícito, passível de reparação civil. A recusa, ademais, viola o princípio da boa-fé objetiva, que rege as relações contratuais e impõe deveres anexos de lealdade, confiança e cooperação. O contrato, em tais moldes, não pode ser interpretado de forma estanque e literalista, mas sim à luz de sua função social, que é, no caso dos planos de saúde, garantir a prestação de serviços essenciais à vida. A saúde, nesse contexto, não se submete às regras frias do mercado, mas sim à ética da solidariedade, que impõe às operadoras um dever intransigente de atender prontamente quem se encontra em situação de vulnerabilidade extrema. Negar tal atendimento é condenar o indivíduo à angústia da espera ou à incerteza da própria existência, razão pela qual o Direito se ergue, com sua força normativa e sua sensibilidade, como guardião da incolumidade, no precioso tempo da vida. 

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