Nando Reis: ‘Há essa baboseira caluniosa de que nós, artistas, vivemos na mamata da Rouanet’

Imagem: Wikipédia.


A ideia, na quarta-feira, era conversar sobre o show que faria sábado no Morro da Urca, no Rio. Mas na sexta, a data teve que ser adiada (para o próximo dia 12) porque Nando Reis testou positivo para Covid-19.

— Por mais cuidado que se tome essa nova variante é muito contagiosa. Faz um mês que eu não consigo tocar com a formação completa da banda — disse Nando, de forma até premonitória.

O que o incomodava ali não eram nem tanto as incertezas dos tempos, mas a imagem que os artistas vieram ganhando no país por causa de uma combinação cruel de fake news com a pandemia.

— Há essa baboseira caluniosa, maldosa, de que nós, artistas, vivemos na mamata da Lei Rouanet. Isso é um negócio doente! Eu trabalho! Subi ao palco com 16 anos, me profissionalizei com 19 com os Titãs, trabalho incessantemente e honestamente, dependo do suor do meu trabalho. Para todos nós, esses dois anos foram barra pesada, ficamos parados — desabafou.

Autor de canções que trouxeram um pouco de alento para o público durante a quarentena (como “Pra você guardei o amor”, “Só posso dizer”, “All star” e o “Quando espero a primavera”, composta no começo da pandemia), o músico de 59 anos promete fazer de “Nando Hits” também a comemoração dos 20 anos desde que deixou os Titãs com a missão de se dedicar inteiramente a uma carreira solo que já contava então com dois álbuns e algumas composições gravadas por Marisa Monte, Cássia Eller e Cidade Negra.

‘Um artista desconhecido’
Este ano ainda, Nando promove o relançamento em LP, remixado, do seu segundo álbum solo, “Para quando o arco íris encontrar o pote de ouro” (de 2000, que trouxe “All star” e “Relicário”, canções que passaram batidas até Cássia Eller cantá-las).

— Quando fui tentar fazer o show do show desse disco, percebi que eu era um artista desconhecido do público. E constatei que não bastava ser um titã, ou ser um compositor, que aquilo exigiria de mim uma dedicação absoluta que eu só pude dar dois anos depois — revelou. — O grande fenômeno, fatídico, foi a morte da Cássia [no fim de 2001]. Como ela era e permanece sendo a cantora que mais gravou músicas minhas, evidentemente os olhos se voltaram para mim.

Nando Reis disse que, por enquanto, não considerava participar da turnê com a qual os Titãs remanescentes festejarão os 40 anos da banda.

— A gente conversou. Eles tinham uma ideia, eu tinha outra. Eu fiquei 20 anos só, eles que estão há 40 sabem como é que vão comemorar — . — Temos ali discos preciosos, que são “Cabeça dinossauro”, “Jesus não tem dentes no país dos banguelas”, “Go back”, “Õ blesq blom” e “Tudo ao mesmo tempo agora”. Se um dia viermos a falar em tocar esse material, é claro que eu vou adorar. Mas os 40 anos compreendem muito mais coisa, da qual eu não participei.

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Com singles recentes lançados com nomes tão diversos quanto Péricles, Projota, Duda Beat e Anavitória, Nando pensa para a frente: acabou de compor uma canção com Gabi, do grupo Melim (“ela me mandou duas melodias muito surpreendentes que me levaram a escrever uma coisa por outro caminho”) e dez músicas com Marcos Valle.

— Eu procurei o Marcos, fizemos uma música, deu super certo e fomos fazendo. Ele é uma máquina, compõe uma música por dia… e também me puxou para um lado completamente diferente. Estamos aí vendo como gravar isso — relatou.

No início da contagem regressiva para os 60 anos, que completa em menos de um ano (“vou me tornar um idoso!”, festeja), Nando Reis avaliou a vida que teve – e a que tem pela frente.

— Nos 40 anos, você ainda acha que tem a energia e a vitalidade da juventude. Mas eu me sinto muito melhor com 59, porque mudei minha vida completamente. Não bebo, não cheiro e não faço mais nada já há cinco anos. E isso me dá condições físicas nas quais eu me sinto bem-disposto. Corri muitos riscos, inclusive o de sobreviver a essa pandemia. E adoro ser avô! — disse ele, que tem cinco filhos e três netos. — Quando olho para trás, penso em como foi bom ter feito o que fiz e não ter que fazer de novo! Tudo isso agora é o meu patrimônio, o meu ganha-pão.

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Cada vez mais, o artista tem passado tempo no campo.

— Estou muito desencantado com os rumos que as coisas vão tomando, especialmente no rumo da destruição do meio-ambiente — reclamou. — Tenho uma casa no interior de São Paulo, que era de uma fazenda do meu avô [em Jaú]. E tem um pouco de terra ali onde eu estou recuperando a mata ciliar, fazendo uma agrofloresta e cultivando abelhas sem ferrão. É uma gota no oceano, mas é o que está ao meu alcance.

*O Globo

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