Phelipe Cardoso – Advogado cível da LCA Advogados – Crédito: Divulgação
A pandemia tem afetado a economia do mundo todo, muitas empresas fecharam e varias pessoas ficaram sem emprego, inviabilizando o pagamento de alugueis e condomínio. Segundo a Confederação Nacional do Comercio, cerca de 110 mil empresas foram fechadas em 2020, manter as portas abertas tem sido uma prova de resistência, e o aluguel é o fator que mais pesa. Em um primeiro momento tivemos as inúmeras dúvidas de como ficariam as relações dos aluguéis durante o fechamento do comércio. Pagar ou não pagar, é obrigatório o desconto ou não.
Neste aspecto, seja pela via administrativa ou judicial as partes envolvidas conseguiram superar esse primeiro obstáculo. Todavia, ultrapassado esse primeiro dilema, surge agora outro problema, que diz respeito aos reajustes dos aluguéis vinculados ao índice IGP-M, cujo índice atingiu recentemente 32% e gerou ainda mais problemas no setor de imóveis, sem prejuízo dos efeitos sistêmicos na economia.
Para efeitos comparativos, no mesmo período o índice IPCA, que mede a inflação no Brasil, atingiu 5,2%. Embora também em níveis elevados e acima da meta, são bem menores do que a alta ocorrida no IGP-M. O somatório dos fatos não trouxe alívio para o setor imobiliário. Se por um lado a alta do IGP-M favorece os proprietários, do outro, penalizam o inquilino que já sofreu em grande parte com os impactos da redução do faturamento em decorrência das medidas de distanciamento.
Na ausência de solução amigável entre proprietários e inquilinos quanto à aplicação ou não do índice, a questão que nos resta saber é sobre a possibilidade de revisão judicial do contrato. A nosso ver a resposta é positiva. Em termos gerais, o IGP-M serve para corrigir o valor do contrato de modo a gerar equilíbrio contratual com a correção da moeda e preservação do poder de compra. Todavia, a alta do índice em patamares tão elevados nos leva a uma situação completamente diversa, pois saímos do campo da mera correção monetária para ganhos indevidos, que se levado a cabo, impactarão toda a economia.
A falta de flexibilidade e manutenção fiel do índice IGP-M nos contratos de aluguel podem causar um impacto sistêmico na economia. Nesse sentido, mais uma vez vemos como possível a aplicação da teoria da imprevisão para permitir a revisão dos contratos de alugueis e substituição do índice IGP-M para o IPCA (o índice oficial que mede a inflação).
Conforme previsto no art. 478 do Código Civil, “nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato” ou a simples revisão pontual em termos do contrato.
Lamentavelmente, na ausência de um diálogo e consenso entre os interessados, não resta outra saída senão a judicialização da demanda, cujos Tribunais têm emitido inúmeras decisões conflitantes, ora permitindo a revisão do contrato e aplicando outro índice, ora mantendo o pacto contratual em sua literalidade.
Diante do imbróglio e da urgência que o caso requer, o Partido Social Democrático-PSD propôs junto ao Supremo Tribunal Federal-STF uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 869, que a rigor, visa estabelecer a interpretação de que os reajustes dos contratos de locação residencial ou não devem seguir o IPCA em substituição ao IGP-M. Subsidiariamente, caso o STF não acolha esse pedido principal, requer então seja acolhido a aplicação do IPCA de forma temporária, abarcando apenas o período pandêmico, como meio de driblar a crise para poder continuar de “portas abertas” .
De toda forma e por inúmeras razões, vemos como possível a revisão dos contratos de locação para trazer de volta o necessário equilíbrio nos contratos de locação, com a substituição (ainda que excepcional) do índice IGP-M pelo IPCA ou outro que melhor reflita a correção da moeda, com os votos de que o STF decida sobre a questão de forma célere, cuja decisão poderá impactar direta ou diretamente toda a população brasileira e o mercado de consumo, privilegiando ainda a segurança jurídica e o fim da controvérsia judicial com as inúmeras decisões conflitantes dos nossos Tribunais.