Histórias da cidade: BH e o reduto que já foi quarteirão de luxo da capital



A Belo Horizonte de hoje não é mais aquela projetada pelo engenheiro Aarão Reis, o chefe da equipe que construiu a cidade que substituiu a histórica Ouro Preto como capital de Minas Gerais. O município, planejado para ocupar o perímetro interno da Avenida do Contorno, avançou para o sopé da Serra do Curral e para bem além do leito do Ribeirão Arrudas. As mudanças foram muitas e, se listadas, dariam material suficiente para muitos livros sobre a história de BHUma delas é a que trata de um quarteirão da Rua Espírito Santo, mais precisamente do trecho entre a Goitacazes e a Tupis, no Centro.

Aquele pedaço da rua batizada com o nome do estado capixaba foi, na década de 1970, o reduto de lojas sofisticadas de Belo Horizonte. Marcas como Manoel Bernardes, especializada em joias finas, além de Betina, Dora Modas, Tágide e Garbe, todas do ramo do vestuário, são alguns exemplos. O quarteirão virou referência no comércio da cidade

A título de curiosidade, as duas vias planejadas por Aarão Reis para desempenhar tal função foram a Caetés e a Comércio – essa última foi rebatizada de Santos Dumont depois de uma visita do Pai da Aviação a BH. Mas como o quarteirão da Espírito Santo se transformou na referência do comércio luxuoso na cidade? A resposta se deve ao desenvolvimento da própria capital, que refletiu na migração de lojas renomadas da Caetés e da Santos Dumont para outras vias

Primeiramente, comerciantes rumaram para a Avenida Afonso Pena, no quarteirão entre as ruas São Paulo e Bahia. Depois, para o quarteirão da Espírito Santo, onde foram erguidos prédios que entraram para a históriaUm deles é hoje a Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei) Delfim Moreira, o primeiro jardim de infância da cidade, fundado em 1908

A escola homenageia o político (1868–1920) que foi presidente do Brasil e de Minas Gerais na primeira metade do século passado. Delfim Moreira morou no local. Em frente à instituição, destaque para o arranha-céu que abriga o Hotel Dayrell

A década de 1970, auge das grifes luxuosas no quarteirão da Espírito Santo, ficou marcada pela presença frequente de senhoras de famílias tradicionais da cidade naquele quarteirão“As clientes eram amigas. Ficavam muito tempo na loja. A amizade era muito mais importante que a compra”, rememora Márcia Regina Schuster, que administra a loja Dora Modas com a mãe, FaniA loja de roupas para jovens senhoras foi umas das primeiras a se instalar no quarteirão, segundo Márcia, e recebia personalidades importantes“Os Fortini, Bias Fortes e Mendes Júnior compravam conosco. Trazíamos enxoval da Europa, rendas francesas e bordados da Ilha da Madeira”, conta

A Manoel Bernardes estreou no mercado na mesma rua, em 10 de maio de 1970. Sua primeira loja ficava no prédio da esquina de Tupis e Espírito Santo“A decoração era moderna, todos os tetos das áreas de vendas eram de gesso imitando a forma cônica dos diamantes. Além disso, fomos a primeira joalheria que propôs o atendimento sentado”, lembra o dono da joalheria que leva o seu nome. Para ele, aquele poderia ser considerado o lugar mais importante da década de 70, mas as mudanças na região como adensamento, muito tráfego, poucas vagas para estacionar e a insegurança fizeram com que o comércio se deslocasse para regiões como Savassi e Lourdes.

GERAÇÕES

Regina Célia Farah, herdeira da Betina, segue no mesmo ponto da Espírito Santo desde 1966, quando a loja foi fundada pelos seus pais, Chafi e Glória Farah. Depois da primeira, abriu mais duas e garante que a descentralização natural do comércio e o surgimento de shoppings centers não atrapalharam o negócio, que sempre acompanhou as evoluções do mercado para se manter. Hoje, ela se prepara para passar o bastão para a terceira geração da família, seus filhos Daniela, Eduardo e Andréa Farah“Apostamos na tradição somada ao profissionalismo para manter o negócio cada vez mais vivo e também atender a nossa terceira geração de clientes”, afirma Daniela

O vice-presidente dos centros comerciais e shopping centers da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Davidson Cardoso, lembra que embora haja uma migração do consumo para os bairros e malls, o Centro de BH ainda desponta como uma região forte“O Centro passou pelo processo de retirada dos camelôs em 2002 e houve um aumento no valor das locações, além das revitalizações, que possibilitaram uma melhora no comércio da região, que voltou a ser pujante”, afirmaNo entanto, ele afirma que o Centro não responde mais por uma grande fatia do comércio, como era antigamente“Se antes as lojas centrais eram responsáveis por uma fatia de 80% do consumo, hoje isso diminuiu porque as pessoas estão, cada vez mais, consumindo num raio próximo de suas casas e do trabalho.”

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