Para realizar o sonho de voltar a andar, Andréa Duarte precisa de uma prótese que custa cerca de R$ 30 mil; mulher assistia reportagem sobre tragédia do voo da Chapecoense em que goleiro perdeu a perna no acidente
Por Bianca Crispim e Heberton Lopes/Grupo Balo de Comunicação
“Eu achei que eu ia morrer” é a frase que a mineira Andréa Pertence, 37 anos, repete várias vezes quando relembra os momentos de tensão que passou no final do ano passado. Mãe de duas meninas, gêmeas, com 9 anos de idade, esposa, dona de casa e profissional atuante na área de vendas, há cerca de três meses a mulher viu sua vida mudar completamente após um acidente no quintal de sua casa que lhe custou a perna esquerda.
Nossa equipe teve conhecimento da história de Andréa por meio da fisiculturista e modelo Val Almeida, que é cliente do Grupo Balo de Comunicação. A atleta estava em um salão de beleza quando soube do acidente com a vendedora e de sua luta para se recuperar. Val queria ajudar de alguma forma e logo lembrou de sua assessoria de imprensa. “Tornando a história pública, talvez consigamos ajuda-la de algum modo”, conta a atleta, que acionou imediatamente o jornalista Heberton Lopes e já agendou o dia para a produção desta reportagem.
Acidente
Era uma noite de domingo, 4 de dezembro de 2016. Chovia muito na região do Barreiro, em Belo Horizonte, onde fica localizada a casa em que Andréa reside há quatro anos. Por volta das 23h30, Andréa e seu marido Fabiano Duarte, 39 anos, colocaram suas filhas para dormir e estavam assistindo uma reportagem sobre a tragédia do voo da Chapecoense, especificamente sobre o goleiro Jackson Follmann, que teve perna direita amputada.
Fabiano ouviu barulhos no fundo da casa, ele foi para o quarto do casal, abriu a janela que dá a visão ao quintal e voltou correndo dizendo que o muro iria cair. “Na hora só pensei na Lolita, minha cachorra, e já levantei e fui direto ao canil para pega-la”, conta Andréa. Naquele momento suas filhas acordaram e também caminharam em direção ao local onde a mãe estava, mas foram impedidas por ela sob o pretexto que o chão estaria molhado.
A cadela Lolita, que normalmente ao ver sua dona pulava e brincava, foi para o fundo de sua casinha de madeira, que ficava rente ao muro de arrimo. Andréa e Fabiano abriram o canil e, de acordo com eles, estavam a cerca de um metro do muro. “Quando fui esticar minha mão para pegar a cachorra, meu marido pegou no meu braço e me puxou de uma vez, aí eu parei, eu não conseguia correr, fiquei olhando para a Lolita, mas ele pegou no meu braço e me puxou de novo e eu não estava entendendo aquilo. Quando eu olhei, vi o muro levantando e explodindo, quando ele explodiu eu só virei de costas e os escombros caíram em mim. Com o impacto eu bati no Fabiano e ele voou. Eu caí no chão, com os blocos, lama, telhas e mourões, tudo em cima de mim e eu sentir uma dor violenta, muito forte”, relatou.
O deslizamento soterrou o corpo da mulher e ela acabou sendo atingida por uma das vigas do muro de arrimo que de seu quintal. “Foi uma dor tão forte, nunca tinha sentido nada parecido. Eu estava presa embaixo da viga e o meu marido tentava me puxar. Apenas minha cabeça estava para fora, pois a lama tomou conta de todo o meu corpo e a minha perna ficou pressionada pela estrutura de concreto e ferro que segurava o muro”, disse.
A mulher temia pela vida de sua família e mesmo com muitas dores e sem saber o real estado de sua perna, ela só pensava nas suas filhas e no seu marido. A agonia de Andréa era grande pois ela lembrou que a porta da sala de sua casa estava trancada e as gêmeas não conseguiriam abrir. Ela conta como gritava para que seu esposo saísse do local e levasse suas meninas para um local seguro. “Naquele momento eu tinha certeza de que iria morrer, mas minha família não precisava ir junto comigo”, relatou a mulher, que ainda, naquela situação, não deixou de pensar em sua cachorra, que deu um grito. “Aquilo me deixou muito triste, pois eu tinha machucado, mas eu já tinha certeza de que a Lolita estava morta”, completou.
“Eu olhava para as meninas, que falavam para eu pegar a Lolita e sair de lá, e na hora só pensei em falar com o Fabiano para tira-las dali, pegar o telefone e ligar para o SAMU e os Bombeiros. Dizia para ele ir tranquilo, que eu ficaria bem ali, mas na verdade eu já achava que iria morrer”, conta a mãe que mesmo muito ferida e sentindo muitas dores, só pensava na segurança da sua família.
Fabiano gritava por socorro e empurrava os blocos, as ferragens e a lama com as suas mãos para tentar salvar sua esposa. Além dos gritos do marido de Andréa, os vizinhos, inclusive a mãe da mulher, a dona Lúcia Helena Pertence, de 64 anos, também ouviram o estrondo do desabamento. Todos foram em direção à casa para oferecer ajuda.
Enquanto isso, as filhas de Andréa ligavam desesperadas para a avó, o único número no qual conseguiram lembrar. Dona Lúcia, que mora duas casas a frente, se dirigiu rapidamente ao local. Mesmo com muitas dores, Andréa não gritava para não assustar suas filhas e só pedia para que o marido deixasse o local com as meninas. Fabiano puxou a porta da sala da casa, que estava trancada, com tamanha força que até a danificou, pois ele queria que suas filhas saíssem da casa o mais rápido possível.
Os vizinhos entraram na residência para oferecer ajuda para a família. Andréa continuava pedindo para que todos saíssem do local, mas seu marido disse a ela que jamais a deixaria sozinha. “Ele parecia um cachorro, cavando com as mãos para tentar me tirar de lá”, conta.
O peso da viga que pressionava a perna de Andréa era tão grande que foram feitas diversas tentativas para levantar a estrutura. Peças de madeira foram quebradas e a viga se movia pouco, o que fazia a dor aumentar. Ela só pensava na segurança das demais pessoas e pediu ao seu vizinho, Teo, que estava tentando a ajudar, para sair do local. “Ele disse para mim que se fosse para acontecer alguma coisa, iria acontecer com todo mundo, porque ninguém arredaria o pé enquanto eu não saísse de lá. Eu pensei que não seria justo eles morrerem por minha causa, pois eu via que a qualquer momento tudo ia descer de uma vez”, continuou.
Foram necessários cinco homens para deslocar a estrutura, utilizando uma barra de ferro como alavanca. “Com muita dificuldade, conseguiram levantar a viga. Aí alguém me puxou e eu senti muita dor, pois eu estava presa em pedaços de madeira e ferro”, detalha a mulher, que ainda disse que seu marido abaixou e viu que a situação estava complicada. Ele forçou e conseguiu soltar o corpo de Andréa dos escombros e então arrastar a mulher para dentro da casa. Poucos segundos depois, outra avalanche de lama tampou todo o local onde Andréa estava.
“Percebi que a situação era grave quando vi a minha perna toda retorcida. Eu estava perdendo muito sangue, mas acho que a mesma terra que me soterrou, me ajudou, pois segurou um pouco a hemorragia. O ruim foi que a lama acabou levando infecções para o meu ferimento”, disse Andréa.
A vendedora não tinha ideia da gravidade da situação. Após ficar cerca de 40 minutos sob os escombros, Andréa foi socorrida por médicos do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Ainda desacreditada, com a certeza que iria morrer, e pensando em suas filhas, enquanto era levada para a ambulância, a Andréa pediu à avó das suas filhas para que elas não deixassem de cursar uma faculdade. Ela foi encaminhada para o Hospital João XXIII, com fraturas no joelho, fêmur e na tíbia esquerdos, além de esmagamento de partes do pé e da canela. Passou por uma longa cirurgia para reconstituição da perna e ficou internada no Centro de Terapia Intensiva (CTI).
A cadela Lolita foi soterrada e ficou cerca de 10 horas presa dentro da casinha que foi esmagada. Familiares relatam que no dia do acidente os Bombeiros foram avisados, mas avaliaram o local e deram certeza de que o animal estaria morto. No outro dia, os agentes da Defesa Civil, durante a vistoria na estrutura da casa, perceberam gemidos da cachorrinha. Eles acionaram o Corpo de Bombeiros, que serraram vergalhões e quebraram concreto para realizar o resgate de Lolita que, por incrível que pareça, não teve nenhum ferimento e ainda saiu do meio dos entulhos abandando o rabo.
Com lágrimas nos olhos e entre intervalos de euforia, por ter salvado sua vida, e muita tristeza pelo o que contaria a seguir, Andréa continuou relatando a sua história para a nossa equipe. “Após a primeira noite no hospital e uma cirurgia, acordei com a minha perna reconstituída, estava com uma espécie de gaiola, acho que para sustentar os ossos, já que tinha quebrado tudo no acidente. Mas eu fiquei tão feliz, pois eu achei que poderia recuperar a minha perna”. Chorando, a mulher conta com detalhes como foi receber uma das piores notícias de sua vida. “Me lembro de quando a enfermeira viu a minha situação e chamou o médico para me informar que a amputação da minha perna seria necessária”, contou aos prantos.
“Chorei, pedi pelo amor de Deus para que não fizessem isso. Eu não queria deixar cortar a minha perna. As enfermeiras ligaram para a minha mãe ela foi até o hospital para me tranquilizar. Falei que eu ficaria aqui um ano internada. Eu implorei para eles”, disse Andréa, que teve que amputar sua perna logo abaixo do joelho devido a uma grave infecção pelo contato dos ferimentos com a lama.
Cerca de quatro horas após a primeira amputação, os médicos perceberam que a situação da perna de Andréa não estava evoluindo. A infecção tomou conta de mais uma parte do tecido e foi necessário tirar mais uma parte, dessa vez, acima do joelho. Como o fêmur estava fraturado e não havia sinais de que haveria a calcificação do osso, os médicos decidiram tirar mais uma parte, totalizando três procedimentos cirúrgicos para as amputações. Além disso, a mulher teve pneumonia, bexigoma, infecção urinária e intestinal. Ela ficou internada 25 dias no hospital João XXIII e foi liberada na véspera do réveillon.
Tragédia anunciada
De acordo com Andréa Duarte, a Defesa Civil de Belo Horizonte foi chamada duas vezes para vistoriar o barranco que causou o acidente. Ela conta que os vizinhos já foram alertados sobre o risco e que existem laudos que comprovam que o terreno poderia ceder. De acordo com a mulher, bananeiras plantadas no local faziam a água infiltrar mais no solo, o que pode ter ajudado a causar a tragédia.
Dias antes, enquanto recebia amigos em sua casa, Fabiano Duarte percebeu uma situação anormal no muro. Os suspiros, buracos feitos para aliviar a pressão na estrutura, estavam jorrando lama.
“Quando você acha que está 100% feliz, a vida muda totalmente”, desabafa, lembrando que havia acabado de quitar a reforma de sua casa, feita com muito sacrifício, e que agora está interditada pela Defesa Civil e depende da construção de outro muro de arrimo para poder voltar a receber os moradores com segurança.
O recomeço
Cerca de 3 meses após o acidente que lhe custou uma das pernas e quase a vida, amigos e familiares de Andréa Duarte se uniram numa corrente de solidariedade em busca de levantar recursos para que a mulher consiga adquirir a tão sonhada prótese mecânica, que custa cerca de R$ 30 mil. “O meu maior sonho é comprar a parte que está faltando em mim”, disse Andréa.
A casa onde ocorreu o acidente permanece interditada pela Defesa Civil de Belo Horizonte, por isso a jovem segue sua recuperação, junto à família, na casa da mãe, com as filhas gêmeas, de 9 anos, e seu marido. Na maior parte do tempo, Andréa está com um sorriso estampado no rosto e tenta não se abalar com as limitações, mas admite que percebe um olhar diferente das pessoas e sente muita dificuldade em aceitar que precisa de ajuda para tarefas simples do dia-a-dia. “Antes eu ia para qualquer lugar, para cima e para baixo. Hoje vejo a falta que minha perna faz”, conta.
Além das dificuldades de locomoção, Andréa enfrenta o agravante das filas para atendimento na saúde pública. Como não tem plano de saúde, ela depende do Sistema Único de Saúde. De acordo com ela, as sessões de fisioterapia ainda não foram autorizadas pelo SUS, o que pode retardar ainda mais a sua recuperação.
A deficiência, porém, não tem sido mais um obstáculo na cabeça de Andréa, mas que com ajuda dos amigos e familiares tem se dedicado bastante à boa recuperação para depois poder voltar a tocar a vida normalmente o quanto antes. A mulher de coração enorme, que arriscou a vida para salvar sua cachorrinha de estimação, entendeu que viver já foi um milagre, só que para continuar trabalhando e exercendo suas atividades corriqueiras, ela precisa da prótese.
Mesmo com a ajuda dos amigos que promoveram campanhas, eventos beneficentes e até bazares para levantar essa quantia desejada, ainda falta muito para alcançar o valor da prótese. E além da perna mecânica, Andréa sonha reformar sua casa e retornar para o lar que custou tanto sacrifício e que agora está praticamente abandonado.
Dados bancários para doações de qualquer valor:
Caixa Econômica Federal
Agência: 0084 – Operação 013 – Poupança
Conta: 60338-4