A violência policial é maior nos municípios que compõem a Baixada Fluminense. A taxa de letalidade das ações policiais nessa região é superior à registrada na capital e no estado do Rio, segundo boletim lançado hoje (28) pelo Fórum Grita Baixada (FGB). Nos primeiros seis meses de 2021, 255 pessoas foram mortas por policiais na região, com uma taxa de letalidade de 6,52. Na capital foram 291 mortes, com taxa de letalidade de 4,31, no estado foram 804 vítimas, com letalidade de 4,66.
As análises do boletim se baseiam em números oficiais do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro e mostram que, no ano passado, a polícia matou 404 pessoas na Baixada Fluminense.
As taxas indicam que, proporcionalmente, a polícia mata mais na Baixada. O coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araújo, afirmou que a comparação com o total da população é uma referência utilizada no mundo inteiro para se chegar a taxas não só de letalidade como também de homicídios ou de contaminação.
“Quando a gente acompanha os noticiários, no imaginário popular, a cidade do Rio de Janeiro é muito violenta com os conflitos das favelas, da Maré, da Rocinha. A Baixada nem aparece tanto assim em termos de violência da polícia, mas a violência policial aqui é muito maior do que na capital”, disse em entrevista à Agência Brasil.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população estimada da Baixada Fluminense é de 3,9 milhões de habitantes, enquanto no município do Rio são 6,7 milhões. O estado contabiliza 17,2 milhões de pessoas.
Na Baixada, a maioria da população (62,25% em média) se identifica como preta ou parda, o que faz da região, a mais negra do estado do Rio de Janeiro. As cidades com maior percentual de habitantes negros são Japeri (69,43%), Belford Roxo (66,59%) e Queimados (65,02%).
“É importante dizer também que, em alguns municípios, a percentagem de pessoas sem identificação de raça é superior a 30%. A gente percebe que nos conflitos armados, nessas operações policiais, a população preta e parda é a principal vítima”, afirmou Araújo.
Das 404 pessoas mortas pela polícia em 2020 em toda a Baixada, 73% eram pretas ou pardas, de acordo com os registros feitos pelos próprios policiais. Ainda conforme os números do boletim, mais da metade das cidades da Baixada apresentaram taxas de letalidade da ação policial superior à cidade do Rio no primeiro semestre de 2021.
Japeri tem quase 8 vezes mais mortes por 100 mil habitantes em ações policiais do que a cidade do Rio. Belford Roxo tem quase 3 vezes mais na mesma comparação. Itaguaí e Mesquita são outras cidades que apresentam altas taxas de letalidade da ação policial, inserindo a região entre os lugares do Brasil onde a polícia mais mata.
Para a articuladora de territórios do FGB e mestre em políticas públicas, Lorene Maia, os números não surpreendem. “Não nos surpreende essa alta taxa de letalidade, mas vem se consolidando e aumentando à medida que esse discurso racista e higienista se desenvolve na nossa sociedade”, disse Lorene.
“Temos números que não nos deixam mentir. A gente já vem trabalhando com essa questão da letalidade e com a violência do estado, mas confirma a perspectiva de que a violência na Baixada Fluminense é um quadro que vem se agravando e se mostra mais cruel e incisiva do que na capital do Rio de Janeiro e muito mais invisível também”, completou em entrevista à Agência Brasil.
A Baixada Fluminense é composta por 13 municípios: Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaguaí, Japeri, Magé, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São João de Meriti e Seropédica.
A intenção do Fórum é que o documento seja o primeiro de uma série que identifique o racismo como engrenagem para a prática de crimes pelo Estado. Os boletins querem compreender ainda os contrastes existentes na região, por meio de uma análise variada de dados em relação à violência, ao crime ou pobreza e de interpretações originadas nas declarações oficiais, incluindo relatos de moradores, das vítimas, das mídias e instituições locais.
“A gente está tentando estabelecer um diálogo de como este tipo de violência acaba reforçando a dinâmica do racismo na sociedade brasileira”, disse o coordenador executivo do Fórum.
Polícia Militar
A Secretaria de Estado de Polícia Militar (SEPM) informou em resposta à Agência Brasil que a redução dos índices de criminalidade segue sendo uma das prioridades do comando da pasta. “Mesmo num cenário complexo, construído há décadas pela disputa violenta por território entre organizações criminosas rivais representadas por facções de traficantes e milicianos, as ações da corporação têm contribuído de forma significativa para redução expressiva e contínua dos indicadores criminais mais impactantes, tanto de crimes contra a vida como crimes contra o patrimônio”.
A secretaria não fez qualquer referência à letalidade de pessoas pretas e pardas durante ações policiais na Baixada Fluminense.
Polícia Civil
Até o fechamento desta matéria, a Polícia Civil não respondeu ao pedido de declaração sobre o assunto feito pela reportagem da Agência Brasil.