Coluna – Dez momentos brasileiros na Paralimpíada de Tóquio



Além de feitos estatísticos, já destacados na semana passada, a Paralimpíada de Tóquio (Japão) foi recheada de momentos históricos para o Brasil. Muitos pelo bem. Outros, naturalmente, nem tanto. Pensando nisso, a coluna selecionou dez histórias envolvendo atletas ou equipes brasileiras na capital japonesa que serão lembrados por muito tempo.

A última braçada

A despedida do maior nome brasileiro na história das Paralimpíadas não poderia ficar fora da lista. Em Tóquio, Daniel Dias foi ao pódio três vezes (três bronzes) e chegou a 27 medalhas na história do evento (14 douradas). No último dia 1º de setembro, o quarto lugar nos 50 m (metros) livre da classe S5 (atletas com deficiências físico-motoras) marcou o adeus do nadador de 33 anos às piscinas. Tomado por lágrimas ao sair da água pela última vez, ele agradeceu, em entrevista ao repórter Igor Santos, da TV Brasil, o apoio de fãs, familiares e patrocinadores.

Não significa, porém, que Daniel estará afastado do esporte paralímpico. Ele foi eleito para o Conselho de Atletas do Comitê Paralímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês). Segundo o agora ex-nadador, um dos objetivos no novo posto será discutir o processo de classificação funcional (que define a categoria do competidor de acordo com o grau da deficiência), que sofreu mudanças no ciclo de Tóquio e promoveu alterações em várias classes (inclusive na dele próprio, que passou a ter nadadores que, anteriormente, eram avaliados como tendo menor comprometimento físico-motor que o brasileiro, o que dificultou na briga por mais medalhas no Japão).

Cem vezes Brasil

O Brasil iniciou a Paralimpíada com 87 medalhas de ouro na história e com a expectativa sobre de quem seria o centésimo topo de pódio do país no evento. O feito coube a Yeltsin Jacques nos 1.500 m da classe T11 (cegos), em 30 de agosto. Acompanhado pelo guia Antônio Carlos dos Santos, o Bira, o atleta de 29 anos não apenas conquistou o primeiro lugar, mas também quebrou o recorde mundial da prova. Quatro dias antes, Yeltsin já tinha levado o ouro nos 5 mil m.

Arremesso da discórdia

Na noite de 3 de setembro, Thiago Paulino dormiu como medalhista de ouro no arremesso de peso da classe F57 (atletas com deficiência nos membros inferiores, que competem sentados). Ao acordar no dia seguinte viu-se com o bronze, após o júri de apelação da World Para Athletics (WPA), entidade que gere o atletismo paralímpico e que é vinculada ao IPC, aceitar o recurso da China e desclassificar as duas tentativas que garantiriam ao brasileiro o primeiro lugar (que ficou com o chinês Goushan Wu).

Paulino protestou no pódio, sinalizando negativamente diversas vezes, inclusive ao receber a medalha de bronze. Em nota divulgada na última sexta-feira (9), a WPA alegou que o arremessador se ergueu da cadeira no momento da tentativa, o que configura uma infração. O Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) argumenta que as imagens da prova não comprovam a irregularidade. A entidade nacional, inclusive, não descarta acionar o Comitê Olímpico Internacional (COI) – que chancela a Paralimpíada – por explicações.

Cordinha problemática

Nas provas de atletismo, os competidores com deficiência visual correm com auxílio de um guia, que é conectado ao atleta por meio de uma corda. Nos 100 m da classe T11 entre as mulheres, a expectativa era de ao menos uma medalha para o Brasil, já que, das quatro finalistas, duas eram do país. Por ironia, ambas foram desclassificadas e ficaram fora do pódio, composto apenas pela chinesa Cuiquing Liu (ouro) e pela venezuelana Linda Lopez (prata). Motivo? Problemas (diferentes) com a tal corda guia.

Campeã mundial da prova e principal favorita, Jerusa Geber teve a corda que a ligava ao guia Gabriel Garcia rompida pouco depois da largada. Thalita Simplício (que tinha sido prata nos 400 m) finalizou a corrida e conquistaria a medalha de bronze, mas foi desclassificada pelo guia Felipe Veloso ter soltado a corda quase na linha de chegada. Ambas, porém, deram a volta por cima nos 200 m, com Thalita conquistando a prata (menos de um centésimo atrás da chinesa Liu) e Jerusa o bronze.

Ouro, recorde e lágrimas

Uma reclassificação funcional em 2016, que colocou Beth Gomes uma categoria acima (portanto, contra atletas de menor comprometimento), minou o sonho de ela competir na Paralimpíada do Rio de Janeiro. A redenção da brasileira de 56 anos, que há 28 convive com a esclerose múltipla (que é degenerativa), veio em Tóquio. Beth não só conquistou o ouro como quebrou, pela 16ª vez, o recorde mundial do arremesso do disco da classe F52 (atletas sem controle de tronco e com deficiência nos membros superiores). As lágrimas após a confirmação da marca e a dedicatória aos pais já falecidos, além do casal que a apoiou após a morte deles (Manoel Ferreira e Ruth Amaral, autores de famosas marchinhas de carnaval), emocionaram o público.

Cowboy de aço (e ouro)

Há cinco anos, um problema cardíaco quando faltavam poucos meses para a Paralimpíada impediu que Fernando Rufino competisse na Rio 2016. Para quem já foi atingido por um raio, pisoteado por um touro e atropelado por um ônibus (acidente que o deixou paraplégico), este foi apenas mais um desafio a ser superado pelo Cowboy de Aço, que se transformou em Cowboy de Ouro em Tóquio. Nas águas da capital japonesa ele venceu com autoridade a prova dos 200 m da classe VL2 (canoa para atletas que utilizam os braços e o tronco para a remada) e realizou o sonho de ser campeão paralímpico.

Outro penta no Japão

Dezenove anos depois, uma seleção brasileira de futebol voltou a comemorar um pentacampeonato no Japão. A diferença é que, no caso do futebol de 5 (para jogadores com deficiência visual), a conquista foi em Tóquio, não em Yokohama. A campanha do Brasil em solo oriental foi perfeita: cinco jogos, cinco vitórias, 13 gols marcados e nenhum sofrido. O gol do título na final contra a rival Argentina, marcado por Nonato (o sexto dele na competição), encarando a marcação e finalizando de forma indefensável, simboliza a confiança e maturidade do time canarinho, que permanece como único campeão paralímpico da modalidade, presente nos Jogos desde 2004. Poucas equipes no esporte mundial são tão hegemônicas.

Goalball no topo

Atual campeão do mundo e líder do ranking de seleções masculinas, o goalball brasileiro (também voltado a esportistas com deficiência visual) carecia de um ouro paralímpico. Em 2012 (prata) e 2016 (bronze), a equipe verde e amarela passou perto. Em Tóquio foi diferente. Foram seis vitórias, uma derrota e 60 gols marcados (51 deles pela dupla Leomon e Parazinho). Na trajetória, duas goleadas (11 a 2 na primeira fase e 9 a 5 na semifinal) sobre a Lituânia, medalhista de ouro no Rio, além do categórico 7 a 2 para cima da China na final. Dos seis integrantes do grupo dourado, cinco (Leomon, Parazinho, Romário, Zé Roberto e Alex) estiveram em pelo menos um dos quases anteriores. A eles faltava somente a glória máxima nos Jogos. Não falta mais.

Rainha das piscinas

A Paralimpíada do adeus de Daniel Dias marcou também o surgimento de novos ídolos paralímpicos na natação. Em Tóquio, o país teve cinco atletas diferentes conquistando medalhas de ouro na piscina. Entre eles, Maria Carolina Santiago, protagonista da modalidade. Estreante nos Jogos, a brasileira de 36 anos foi cinco vezes ao pódio, três delas no topo. A nadadora da classe S12 (baixa visão) confirmou o favoritismo nos 50 e nos 100 m (provas em que era campeã mundial) e ainda venceu os 100 m peito.

Destacou-se também no revezamento misto 4×100 m livre até 49 pontos (para atletas com deficiência visual, onde a soma das classes dos quatro competidores não pode superar 49), no qual foi medalhista de prata ao segurar a pressão do ucraniano Kyrylo Garashchenko nos metros finais e garantir o Brasil na segunda colocação. A nadadora nasceu com a síndrome de Morning Glory (alteração congênita na retina, que afeta a visão periférica do olho direito e só permite que enxergue vultos com o esquerdo) e costumava disputar entre pessoas sem comprometimento visual até 2018, quando, enfim, conheceu o paradesporto.

Pioneira nos tatames

Primeira mulher brasileira a ser campeã mundial no judô paralímpico (para deficientes visuais), em 2018, Alana Maldonado acrescentou outra marca pioneira ao currículo ao levar o ouro da categoria até 70 quilos nos Jogos de Tóquio. A vitória no país que é o berço da modalidade foi construída ao longo do ciclo, desde a prata na Rio 2016. De lá para cá, Alana assumiu a liderança do ranking do peso e só não esteve brigando no topo das principais competições durante o tempo em que passou por uma cirurgia no joelho esquerdo, meses antes de conquistar o mundo.

O hino nacional brasileiro não tocava nas disputas do judô paralímpico desde 2008, quando Antônio Tenório obteve a quarta medalha de ouro da carreira. Em Tóquio, o judoca de 50 anos bateu na trave na disputa do bronze e saiu pela primeira vez dos Jogos sem pódio, mas já anunciou que pretende brigar por vaga na Paralimpíada de Paris (França), daqui a três anos.

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