Uma pessoa amarrada à boca de um canhão como pena de morte por ser homossexual. A execução dividiu o corpo em duas partes. Essa história de terror, invisibilizada ao longo dos séculos, ocorreu no Maranhão, em 1613 ou 1614, nesse que pode ser o primeiro caso de assassinato por causa da homofobia no país. Segundo o antropólogo Luiz Mott, recuperar os detalhes do que ocorreu e garantir divulgação ao caso é importante não apenas para reconhecer o esquecimento do passado, mas também para se indignar com a atualidade.
“Vivemos numa época ainda de intolerância, de machismo, de feminicídio. A homofobia é fruto da mesma mentalidade autoritária, patriarcal que queremos modificar por meio da educação sexual e de legislação, que garanta a cidadania plena dos homossexuais iguais, nem menos nem mais”, disse o professor e fundador do Grupo Gay da Bahia, em entrevista à Agência Brasil.
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O assassinato, ocorrido no século 17, é um caso, portanto, que estaria próximo de completar 410 anos. A vítima foi um indígena Tibira (termo genérico tupinambá alusivo à homossexualidade). Ele foi acusado de “sodomia”, um pecado aos olhos do fundamentalismo e da intolerância homofóbica por parte dos missionários franceses no Maranhão.
O crime foi registrado no livro História das coisas mais memoráveis acontecidas no Maranhão nos anos de 1613-1614. Segundo Mott, o capuchinho Frei Yves D’Évreux (1577-1632) , superior dos missionários, teve a responsabilidade dessa execução, assim como a descrição minuciosa desse martírio. “Embora o livro tenha sido traduzido no século 19 e reimpresso no Brasil pela biblioteca do Senado, de fato é uma história pouco conhecida em estudos e livros sobre diversos aspectos da presença dos capuchinhos e dos franceses.
Homofobia institucionalizada
Mott explica que a data exata da execução do índio Tibira do Maranhão ainda não é possível definir (1613 ou 1614). Os portugueses e brasileiros conseguiram expulsar os franceses do Maranhão em 1615. No entanto, o pesquisador analisa que a homofobia no Brasil foi oficialmente institucionalizada em 1534, com a criação das primeiras capitanias hereditárias.
“O rei, no decreto de entrega das capitanias aos donatários, estabeleceu, entre outros poderes, o de condenar, sem ter que consultar o rei, à pena de morte os sodomitas, os que falsificavam moedas e os que se uniam aos invasores”.
No entanto, o pesquisador aponta que não há registro de que houve alguma execução. Mott alerta que, desde o primeiro Código Penal Brasileiro, de 1830, assinado por Dom Pedro I, o crime de sodomia deixou de ser mencionado. “Mas o que não implicou a erradicação que já estava enraizado na mentalidade das pessoas”.
O pesquisador lamenta que a Igreja Católica do Brasil ou do Vaticano nunca se manifestou a respeito da possibilidade de pedir desculpas pela perseguição aos homossexuais.
“Mas nós vamos continuar pedindo à CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] e à comissão de canonização do Vaticano”. Mott considera que é muito importante a divulgação oficial do assassinato. Ele cita outro caso, também no século 17, em que teria havido a execução de um escravo jovem em Sergipe, em que o senhor de engenho mandou açoitar até a morte porque o escravo teria mantido relações com um homem branco.
“É importante divulgar para mostrar a crueldade do preconceito e da homofobia. Há documentos inquestionáveis de que a pena de morte foi praticada pelos ocupantes franceses, que seguiram a mesma legislação da França que condenava à morte os sodomitas ou pela execução arbitrária de um proprietário de escravos”.
“É preciso lutar”
Luiz Mott defende que é necessário lutar contra a homofobia e é possível erradicar esse tipo de violência. Para ele, é preciso colocar medidas em prática. A primeira seria a educação sexual obrigatória em todos os níveis escolares, a fim de ensinar orientação sexual e identidade de gênero para que respeitem os LGBTQI+.
Outra medida seria tirar do papel a legislação que já foi aprovada, como a equiparação da homofobia ao racismo, com previsão de prisão inafiançável, incluindo injúria. “Devem ser garantidas políticas públicas que garantam a cidadania das pessoas LGBT”.
Assassinatos em série
Mais de quatro séculos e uma década depois, um dossiê divulgado neste mês de maio, no site do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTQI+ no Brasil, pelo menos 273 dessas pessoas morreram de forma violenta no país em 2022, em função de homofobia. Os números revelam que houve uma morte a cada 32 horas. Os dados foram divulgados na véspera do 17 de maio, Dia Internacional da Luta contra LGBTFobia.
O mesmo relatório mostrou que, nos primeiros quatro meses deste ano, foram assassinadas 80 pessoas LGBTQI+. A população de travestis e mulheres trans representa 62,50% do total de mortes.