Prof. Dr. Marcelo Henrique
A Constituição Federal de 1988 consagrou como direitos fundamentais a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade. Isso quer dizer que o legislador constituinte incumbiu ao Estado o dever de cuidar das pessoas, as quais passaram a ter um direito incontestável e exigido diretamente daquele que se obrigou a garanti-lo: o Estado. Em outras palavras, um direito fundamental jamais pode ser letra morta dentro do contrato social de uma nação, o qual se traduz por sua Constituição, que, no Brasil, é a Carta Magna de 1988.
Por isso, venho insistindo que o Estado é diretamente responsável por reparar o dano experimentado pela vítima de qualquer crime. É inegável que o crime – independente da extensão de sua lesão ao bem jurídico – é uma modalidade de falha sistêmica significativa da parte do Estado. Afinal, quando o agente transgressor rompe a barreira do ato ilícito e adentra à seara de última análise do crime, é nítida a falha multissetorial, operada sob vários prismas, mas, em qualquer deles, é inegável a falha ativa ou comissiva do Estado.
Em estudo mais denso, o crime se inicia nas mais comezinhas omissões que o agente experimenta desde tenra idade. A falta de estrutura médico-odontológica, seguida da lamentável falta de qualidade do sistema de ensino e das precárias condições de moradia, por exemplo constituem fatores determinantes para que o jovem vítima desse local acabe por delinquir. Obviamente, toda unanimidade é tendenciosa, por isso prefiro a definição de que a insegurança é um defeito ontológico do Estado, que erra com o ser humano desde que ele nasce. E esse raciocínio fica ainda mais cruel quando se iniciam as análises e comparações ainda mesmo na maternidade. Pessoas iguais já nascem experimentando as benesses ou agruras, a depender do local onde vieram ao mundo.
Definitivamente, não há como se comparar a qualidade da prestação de um serviço público, para o privado. No exemplo acima, enquanto o sistema privado dispõe de maternidades de excelência, que atendem a padrões internacionais de qualidade, naquelas geridas pelo Sistema Único de Saúde, muitas vezes, faltam até mesmo os insumos mais básicos. E essa discrepância acontece em todos os segmentos em que há atuação paralela de serviços públicos e privados, tais como Educação, transporte e outros serviços essenciais. Um panorama diferente, entretanto, observa-se na esfera da Segurança Pública.
Como já deflagra o próprio nome, incumbe ao Estado a proteção dos cidadãos, em regime de exclusividade em todas os espaços públicos, e em regime de concorrência nos espaços privados. Nesse sentido, empresas privadas de segurança privada apenas podem atuar em ambientes públicos diante de situações específicas e bastante excepcionais, tais como o transporte de valores e manutenção em caixas eletrônicos. Dessa forma, o cidadão está totalmente obrigado a depender dos aparelhos estatais para garantir sua segurança. E, como já mencionado, houve uma previsão constitucional quanto ao dever público de assegurar a defesa do cidadão, elegendo a segurança como um direito fundamental.
Com esse cenário, entendo que não resta outra alternativa senão a responsabilização do Estado, de forma objetiva, diante de suas falhas em segurança pública. Em análise mais profunda, o crime é o produto do insucesso de diversas políticas estatais não apenas no âmbito da segurança, mas também em todas as demais áreas de atuação pública. Portanto, é do Estado a obrigação, em primeira ordem, de reparar os danos experimentados pela vítima mediante justa indenização. Certamente, deverá o Estado cobrar do infrator, a título de regresso, as despesas que experimentou, até em cumprimento aos interesses de toda a coletividade.
Fato é que o problema da segurança pública no Brasil é mais estrutural do que operacional. Qualquer movimento de armar a população ou aumentar efetivos militares sem planejamento estratégico será mera medida paliativa e ineficaz para resolver um problema tão desafiador. Responsabilizar o Estado é, exatamente, cumprir o diz nossa Constituição Federal e, de fato, vislumbrar a segurança como um direito fundamental.
Prof. Dr. Marcelo Henrique é Jurista, Jornalista, Professor e Escritor. Escreve para o Mental Health Affairs, de Nova York – EUA, para o Psychreg, de Londres – UK, para o Intelectualidade Online, Diário Carioca, para o Brasil Agora Online (UOL), para o portal Direito e Negócios e portal Juristas. Eleito escritor mais influente dos últimos seis anos no Mental Health Affairs.