Marcelo Henrique de Carvalho
Ao longo dos séculos, o povo brasileiro tem sido vítima de uma insidiosa trama que o mantém em um estado de ignorância jurídica crônica, relegando-o à condição de massa de manobra. Não se trata de uma falha meramente circunstancial ou de uma ocorrência fortuita, mas de um verdadeiro projeto histórico de dominação, que atravessa governos, regimes e estruturas de poder. A manutenção da ignorância jurídica, a perpetuação do desconhecimento dos direitos e deveres consagrados na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional têm sido utilizadas como ferramentas eficazes para subjugar, manipular e explorar o cidadão comum.
A ilusão de que o desconhecimento jurídico é um problema restrito às camadas menos favorecidas da sociedade é um dos maiores equívocos a serem combatidos. Não são apenas os desvalidos e os marginalizados que se veem tolhidos em sua cidadania por não conhecerem seus direitos; essa lacuna de saber se estende até mesmo às altas esferas empresariais, onde gestores e empresários, frequentemente, tomam decisões baseadas em percepções equivocadas, ignorando normas fundamentais que poderiam proteger seus negócios, garantir segurança jurídica e evitar litígios onerosos.
A Constituição Federal de 1988, chamada de “Constituição Cidadã”, foi erigida com o propósito de garantir direitos e estabelecer diretrizes claras para a convivência social, econômica e política. No entanto, o texto constitucional, que deveria ser objeto de estudo, compreensão e reverência por todo cidadão, permanece um documento desconhecido para a vasta maioria da população. Não se compreendem os princípios fundamentais, os direitos e garantias individuais, a organização do Estado, os deveres dos agentes públicos. Ao contrário, a Constituição é frequentemente lembrada apenas como um emaranhado técnico e inacessível, reservado aos juristas.
Esse estado de ignorância jurídica não é uma fatalidade inevitável, mas o resultado de uma educação cívica e jurídica negligenciada, quando não intencionalmente enfraquecida. Em uma sociedade onde se valoriza mais a técnica utilitarista do que o saber crítico, a ausência de educação jurídica torna-se uma estratégia eficiente para perpetuar desigualdades. O cidadão que desconhece seus direitos é um cidadão vulnerável, facilmente manipulado e ludibriado. O empresário que ignora a legislação trabalhista, tributária ou contratual é uma presa fácil para os aproveitadores e um risco para o próprio mercado.
É, portanto, imprescindível que se promova um verdadeiro levante de educação jurídica, uma cruzada em favor da alfabetização constitucional. Não se trata apenas de formar juristas, mas de garantir que cada cidadão, independentemente de sua profissão ou condição social, tenha acesso ao conhecimento básico de seus direitos e deveres. Uma sociedade que conhece sua Constituição é uma sociedade menos vulnerável, mais crítica e mais justa.
É preciso que se compreenda que a Constituição não é uma abstração distante, mas o alicerce de todos os direitos e deveres que regem a vida em sociedade. Urge que escolas, universidades, empresas e organizações da sociedade civil assumam o compromisso de promover a educação jurídica como um pilar da cidadania. Somente assim o Brasil poderá superar a sua condição histórica de massa de manobra e se tornar uma nação verdadeiramente consciente e soberana.