A especialista de RH que está abrindo caminho para profissionais PCDs na tecnologia



Nathaly Falasca Gorodscy revela os desafios estruturais e as soluções possíveis para tornar o setor tech mais inclusivo — de verdade.

Setembro é o mês que chama a atenção para os direitos das pessoas com deficiência, uma pauta que, apesar dos avanços no discurso institucional, ainda encontra barreiras profundas no mercado de trabalho brasileiro. Por décadas, a inclusão de profissionais PCDs esteve limitada a funções operacionais ou administrativas, muitas vezes associadas à simples obrigatoriedade legal. No entanto, essa realidade começa — ainda que lentamente — a ser questionada, sobretudo em setores como o da tecnologia, onde a inovação avança mais rápido que a equidade. Mesmo com o crescimento exponencial do setor, a representatividade de pessoas com deficiência em cargos técnicos, estratégicos e de liderança permanece alarmantemente baixa.

De acordo com Nathaly Falasca Gorodscy, psicóloga, pós-graduada em Liderança e Gestão de Pessoas e com mais de seis anos de atuação em Recrutamento & Seleção, sendo quase dois deles dedicados exclusivamente à contratação de PCDs na área tech, durante muito tempo, o principal foco das empresas era cumprir a meta legal de inclusão. “Hoje,  esse movimento começa a fazer parte de uma estratégia mais realista de diversidade, mas ainda há muitas barreiras muitas companhias”, afirma.

Em passagens por empresas fintech e multinacional da área da tecnologia, Nathaly esteve à frente do recrutamento de ponta a ponta de profissionais com deficiência para vagas altamente técnicas. Seu trabalho envolvia desde o alinhamento com as lideranças até o desenho do processo seletivo e acompanhamento até a admissão.

“Aprendi que a verdadeira inclusão começa na forma como a vaga é construída, comunicada e conduzida. Um erro muito comum ainda é contratar sem adaptar o processo ou sequer revisar a linguagem da descrição”, explica a especialista.

Barreiras invisíveis

Embora o tema esteja presente no discurso corporativo, Nathaly observa que a presença real de pessoas com deficiência em posições de liderança é quase nula — especialmente em tecnologia.

“Como usuária assídua do LinkedIn, posso afirmar que é raro ver pessoas com deficiência em cargos de liderança. Essa é uma pauta falada dentro de muitas empresas, mas, até hoje, nenhuma das companhias que acompanhei atingiu esse objetivo”, revela.

A principal razão, segundo ela, está na falta de acessibilidade real nas empresas. “A gente ouve muito que é preciso incluir, mas poucas companhias oferecem, por exemplo, um curso de Libras para os colaboradores. Como uma pessoa surda vai se comunicar com o time? Ou como uma pessoa cega vai acessar as informações do computador se não há um software de leitura de tela disponível?”, questiona.

Esses pontos, embora pareçam simples, têm impacto direto na performance e no sentimento de pertencimento dos profissionais. “A inclusão precisa deixar de ser uma ação isolada do RH e se tornar uma pauta estratégica das lideranças”, defende.

Flexibilidade e estrutura fazem a diferença

Um dos principais ajustes apontados por Nathaly é a flexibilização dos processos seletivos. Em um setor onde entrevistas virtuais se tornaram padrão, isso exige planejamento.

“Muitas vagas tech hoje são remotas. E tudo bem fazer entrevistas online — desde que a pessoa consiga participar plenamente. Um candidato com deficiência auditiva vai conseguir te ouvir? Ele faz leitura labial? Vai precisar de um intérprete de Libras? Essas são perguntas que precisam estar no radar antes mesmo da vaga ser aberta.” Pontua a especialista.

Segundo Nathaly, processos seletivos mais inclusivos precisam ser desenhados com intencionalidade e sensibilidade. Isso inclui não só os ajustes técnicos, mas a capacitação dos times envolvidos e a criação de uma jornada que não exponha o candidato à exclusão ou ao desconforto.

A tecnologia como aliada nos processos seletivos

Além da experiência prática com recrutamento, Nathaly hoje participa de iniciativas de Data Analytics voltadas à área de pessoas. A proposta é tornar o recrutamento mais estratégico, embasado em dados — e também mais justo.

“A tecnologia é maravilhosa quando usada com consciência. Hoje já temos plataformas de videochamadas com transcrição automática, o que facilita a participação de candidatos surdos, por exemplo. Isso evita que a pessoa fique perdida durante a entrevista”, explica.

Para a especialista, os avanços existem, mas precisam ser acompanhados de ação e comprometimento real. “A gente precisa parar de tratar inclusão como exceção e começar a projetar processos — e empresas — em que todos possam se desenvolver. E isso começa na hora da contratação”, afirma.

Nathaly Falasca Gorodscy, especialista de RH que abre caminho para profissionais PCDs na tecnologia

Cenário atual de PCDs na sociedade e mercado de trabalho

De acordo com o Censo Demográfico de 2022, divulgado pelo IBGE, o Brasil possui atualmente 14,4 milhões de pessoas com deficiência, o equivalente a 7,3% da população com dois anos ou mais Pela primeira vez, o IBGE também contabilizou 2,4 milhões de pessoas com autismo  no país, adicionando um dado inédito e essencial para a formulação de políticas públicas e estratégias de inclusão corporativa.

Diante desses dados associados ao estudo  “Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade de Pessoas com Deficiência”, realizada pela Talento Incluir, em parceria com o Instituto Locomotiva, Pacto Global e iO Diversidade, reforçam a realidade observada por Nathaly Falasca.

Apesar dos avanços no discurso corporativo em torno da diversidade, os números revelam uma realidade  excludente para pessoas com deficiência no mercado de trabalho — especialmente em posições de liderança e no setor de tecnologia.

Segundo a pesquisa, nove em cada dez profissionais com deficiência ou neurodivergência, que estão ativamente na força de trabalho já enfrentaram  situações de capacitismo no ambiente profissional.

O estudo também expõe que  84% das pessoas com deficiência não ocupam cargos de liderança, sendo apenas 2% em posições de alta liderança (diretoria ou vice-presidência) e 12% em cargos de média gestão.

Mesmo nas vagas direcionadas exclusivamente para profissionais PCDs, os dados são desanimadores. Segundo a Talento Incluir, menos de 0,5% das posições oferecidas são para cargos de liderança, e apenas 0,3% têm remuneração superior a R\$ 8.900.

O levantamento, conduzido entre 20 de outubro e 3 de novembro de 2024, divulgado no início deste ano,  ouviu 1.230 pessoas com 18 anos ou mais, todas autodeclaradas com deficiência ou neurodivergência

Esses números reforçam a urgência de iniciativas como as conduzidas por Nathaly Falasca, que não apenas conduz processos seletivos inclusivos, como também levanta debates internos sobre acessibilidade, linguagem, capacitação de lideranças e adaptação das rotinas de trabalho para garantir um ambiente verdadeiramente diverso e seguro.

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