Página infeliz da nossa História

Vandalismo


Marcelo Henrique

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Quando Chico Buarque entoou o grito de uma geração nos acordes de “Vai Passar”, jamais poderia imaginar o quanto as coisas poderiam ser ainda piores. Se os tempos de ferro (ou de farda) eram difíceis, ainda era possível enxergar que todos buscavam atingir uma finalidade comum: o bem do Brasil. De um lado, os generais investidos no poder tinham a seu favor os “argumentos” do aparato policial do Estado, que punia com rigor aqueles que contestavam. De outro lado, a esquerda se unia em coro único para justamente questionar os métodos empregados pela direita. Sim, existia violência e de ambos os lados. Mas era algo pontual, isolada aos mais entusiastas extremistas. O que se viu no dia 08 de janeiro de 2023, em Brasília, foi uma massa de alienados a serviço de uma ideologia insana, para quem o bem do Brasil pouco importa.

Falar sobre o vandalismo, a barbárie acho que seria entrar no lugar comum. O importante é tentar entender o que teria levado pessoas das mais variadas classes, idades e locais do país a essa bravata estúpida. As imagens que tomam conta dos noticiários do Brasil e do mundo mostram criminosos nitidamente não habituais. A grande maioria sem cobrir o rosto, deflagrando pessoas maduras em seus entendimentos e, o que é pior, carregando a pia certeza de que estavam fazendo a coisa certa. Em momento algum pude ver olhares esguios ou preocupações com câmeras, ou com o policiamento local. Ao contrário, os terroristas avançavam e faziam questão absoluta de registrar seus progressos com seus celulares em punho, com postagens imediatas e lives nas principais redes sociais. Como dito, todos estavam imbuídos em plena convicção de correção.

Fato é que se podemos dividir os pensamentos político ideológicos em direita e esquerda – naquela antiga alegoria ao parlamento francês, onde girondinos e jacobinos contrastavam suas ideias – essas posições não se limitam a uma tábula rasa e comum. Entre a direita a extrema direita há uma amplitude muito grande, tão grande quanto há da esquerda para a extrema esquerda. Não se pode, sob nenhuma hipótese, igualar os conservadores da centro direita aos fascistas que cometeram os atos terroristas de domingo. Assim como não se pode confundir os social-democratas (centro esquerda) com os comunistas. O problema é o radicalismo fanático que, em qualquer tema (até time de futebol) emburrece a discussão. E justamente por essa natureza de falta de inteligência, acaba se tornando uma grande e perigosa massa de manobra, com essa que o mundo viu no dia 08 desse mês.

Parece até pleonasmo temático, mas o antídoto para tudo isso não está nas forças de segurança mais fortes, capazes de coibir os criminosos. Afinal, se assim o fosse, ter-se-ia um banho de sangue, pois todos estavam prontos para matar ou morrer. O remédio está na Educação, a única ciência capaz de orientar a todos e fazer-lhes atingir a aristotélica temperança. Além disso, apenas os providos de muita sabedoria – um estágio superior cuja principal, mas não única, via é a Educação – são capazes de saborear os encantos e as amarguras de uma Democracia, em que saber perder faz parte da aprendizagem e processo de eventual vitória no próximo ciclo.

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