Compartilhar e dividir

Compartilhar e dividir


Marcelo Henrique

[email protected]

A Língua Portuguesa vem se reinventando ao longo dos séculos, sempre se amoldando à sua nobre tarefa de instrumentalizar a fala das pessoas e, assim, permitir os registros que contarão a nossa história. Encantador é que nesse movimento criam-se novas palavras, importam-se outras e, ainda, resgatam-se termos antigos, ou até já vítimas do ostracismo linguístico. Se há 50 anos alguém escrevesse “vou deletar o chat com o crush”, certamente o leitor imaginaria tratar-se de outro idioma. E o inverso verdadeiro, uma pena, ocorre atualmente quando nossos jovens – claro, sem generalizar – visitam os clássicos da Literatura Lusófona.

Mas há palavras revigoradas pela contemporaneidade que deflagram o primor semântico do nosso idioma, desaguando em verdadeiras lições de vida, como esse verbo que insisto em destacar nesta matéria: compartilhar. Antes das redes sociais, “compartilhar” fazia parte do léxico intelectualizado daqueles que já sabiam a tênue diferença de significado para a palavra “dividir”. E para elaborarmos essa explicação demandava grande empreitada formal, quase parnasiana, a qual acabava deixando de lado a riquíssima significação moral que encerra nesse vocábulo. Hoje, quando todos compartilham conteúdos, fica quase evidente que essa ação consiste no encaminhamento ilimitado de algo, sem prejuízo do todo. É aquela foto em que aparecemos bem e que compartilhamos para mais de mil contatos de forma concreta e, ainda, postamos no feed para compartilhar indefinidamente com todos que nos visitam. Dividir, ao contrário, pressupõe atingir o limite do todo, o denominador que impõe a fração ideal de cada indivíduo necessariamente concreto.

Por isso, a divisão deve se limitar apenas aos elementos fisicamente finitos, jamais atingindo os valores humanos, perante os quais compartilhar significa incluir, oportunizar. E isso vale para nossa nação tão fragmentada atualmente. Afinal, a brasilidade jamais deve ser dividida, fazendo erigir brasileiros mais patriotas ou não, melhores ou piores por nascerem ou não em determinadas regiões, ou ainda pelas escolhas profissionais – e por que não dizer eleitorais também – acabam por fazer em suas vidas. O que nos faz um dos países mais ricos do mundo é exatamente nossa diversidade; essa pluralidade de manifestações culturais, aparências e sotaques que compõem nossa identidade nacional. Essa riqueza imaterial que devemos compartilhar para o mundo, em concreto e abstrato.

Dividir é discriminar. E discriminar, além de ser um atraso, é crime. Sim, exatamente isso. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, praticar atos de xenofobia regional, que consiste na divisão de pessoas e tratamentos pautados na região de nascimento ou moradia é crime de racismo. Assim, vamos aprender a deletar as divisões, unir as pessoas, cancelar qualquer tipo de racismo e, sobretudo, compartilhar o nosso melhor.

Total
0
Shares
Deixe um comentário
Próximo Artigo

Lula participa de evento com catadores em São Paulo

Artigo Anterior

16 a 18/12: Feira de cultura geek reunirá em BH artistas dos quadrinhos e do cinema

Relacionados