Inversão ou supressão de valores?

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Marcelo Henrique

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É fato que a modernidade agilizou a comunicação, quebrou protocolos e, até mesmo conferiu uma certa praticidade jamais antes vista a processos anteriormente bem burocráticos. O tempo das cartas cuja agilidade dos Correios era determinante para o sucesso da informação fora substituído pelos milissegundos dos aplicativos de mensagens, os quais possibilitam uma experiência comunicativa baseada em texto, voz e vídeo, com grande eficiência.

Engraçado é que a eficiência acabou se revestindo de informalidade, em uma ligação não necessariamente simbiótica, que foi sendo ditada pelos próprios usuários. Afinal, os mensageiros contêm ferramentas que lhes permite ser instrumento de transmissão de verdadeiras teses, com requintes de sofisticação tecnológica, a ponto de suportar compartilhamento de arquivos de texto, imagens e áudios, além de reuniões ao vivo. Em tempos de pandemia, por exemplo, eu mesmo participei de bancas acadêmicas nesses aplicativos. E deu muito certo.

Apenas não consigo compreender por que a gentileza acabou se tornando obsoleta, quase incompatível com os meios atuais de comunicação. O acervo de abreviações construídas ao arrepio da Língua e a multiplicação, em progressão geométrica, dos anglicismos em nada contribuem para a clareza do texto. Ainda que digam que tornam o texto mais instrumental e objetivo. Só que os adeptos dessa linha se esquecem que não há maior rapidez do que a correta compreensão, daquelas em que apenas uma leitura basta. E para isso, o nosso idioma lusitano conta com uma série de ferramentas hábeis à confecção de um texto coerente, conciso e, portanto, de fluida leitura.

As pequenas gentilezas estabelecem um grande diferencial entre as pessoas. Uma comunicação gentil tende a ser mais receptiva e, geralmente, convence melhor o destinatário. Pequenas delicadezas, tão escassas hoje dia, reinavam em tempos não tão pretéritos assim. Gentileza que vinha dos punhos para o papel, tendo a caneta como principal instrumento. Lógica essa que se repete quando substituídas as personagens. Afinal, cada vez mais, os sistemas binários dos computadores têm influenciado as pessoas, aposentando definitivamente a ideia de que o computador seria uma máquina de escrever sofisticada. É o instrumento que passa a ser fonte. Diferente da folha que recebe passiva os cunhos entintados da caneta, o computador e todo o universo ao seu redor acaba suprimindo valores dos seus usuários.

Na visão míope de que cortar é ganhar tempo, o que antes chamávamos de inversão de valores e que vinha alterando a nossa sociedade, hoje podemos chamar de supressão de valores. Da máquina para o ser humano, vamos aprendendo a ser máquina a elas vão aprendendo a ser humanas, haja vista a inteligência artificial e as assistentes que até nomes de pessoas já têm. Um processo de similaridade bastante desvantajoso para nós que, no desejo de sermos contemporâneos, acabamos suprimindo exatamente aquilo que jamais, nenhuma máquina conseguirá reproduzir: os nossos valores.

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