Carnaval: Panem et Circenses

Carnaval


Marcelo Henrique

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Mais um “fevereiro” se inicia e, junto com ele, a ansiedade do povo brasileiro para a sua festa mais popular: o Carnaval. De origem religiosa, era a festa por meio da qual os povos comemoravam os últimos dias antes da Quaresma, um tempo de rituais mais ensimesmados, jejuns e muita restrição. Daí o sentido festivo do período que contagia milhares de pessoas ao longo dos séculos. No Brasil, Carnaval é coisa muito séria. Envolve milhões de Reais em todos os seus preparativos, há uma intensa movimentação turística e, principalmente, observa-se o destacamento de dinheiro público para as agremiações que promovem desfiles nas principais cidades brasileiras. Todavia, o maior de todos os “desvios” é o intelectual, por meio do qual milhares de brasileiros amenizam ou, até mesmo, esquecem grande parte dos problemas locais e conjunturais em prol de brincar feliz nesta festa tão intensa. E essa prática já é bem antiga.

Na civilização de Roma Antiga, o panem et circenses era o Carnaval dos dias atuais. Preocupados em distrair a atenção do povo, que enfrentava problemas e muitas vezes resistia, os governantes romanos encontraram uma forma bastante eficaz distrair o público. Essa forma eram os embates, na época encarados como esportivos, que enchiam os olhos do povo, que vinha sendo cada vez mais subtraído em seus bens e direitos. Os gladiadores, por exemplo, lutavam até a morte nas arenas apenas para entreter a grande massa cada vez mais faminta e sedenta ante os desmandos administrativos perpetrados. Em tempos atuais, não é necessário um esforço governamental tão grande. As pessoas alienam-se por si próprias, a todo tempo, mas é preciso aproveitar o Carnaval para intensificar o processo de alijamento cultural, distanciando cada vez mais o público dos temas realmente relevantes para seu futuro.

No nosso atual cenário, eventos dessa natureza são capazes de representar um dúplice mergulho na cabeça de uma população que caminha sem dispor dos controles de autogoverno. E essa bipartição surgiu após a Pandemia de Covid-19, a qual fez surgir uma grande parcela da população que sai de casa em raríssimas ocasiões, não estando uma festa popular e gigantesca como essa dentre esses eventos. Com isso, de um lado temos aqueles que – por receio do contato físico – não aderiram às festividades presenciais, acompanhando, portanto, toda a movimentação via televisão, redes sociais ou, até mesmo, espiando de alguma forma. De outro, aqueles que decidiram ir e imergirem nos levantes carnavalescos, buscando um momento de diversão.

Ressalvadas as raras exceções que perambulam – quase solitárias – entre cada um dos blocos, a alienação impera, fazendo-me enxergar dois segmentos bem claros e distintos entre si. Quanto aos foliões virtuais, um entusiasmo seguido de rebote depressivo, naturalmente impulsionado pelos gatilhos emocionais gerados pelas reminiscências de um passado mais jovem e, por que não se dizer glorioso, no qual as possibilidades superavam as limitações. Aos reais, os que frequentarão as “avenidas”, só me resta entender como uma catarse materializada, talvez por enxergar naquele momento um arroubo de extravase emocional ante os tempos difíceis, fazendo da alienação uma opção de manutenção da higidez psíquica ou, ainda, apenas um deleite momentâneo multiplicado pelos anos de claustro trazidos pela pandemia.

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